Fonte: https://oglobo.globo.com/mundo/em-meio-guerra-na-ucrania-brasil-diz-nao-convite-para-reuniao-de-chanceleres-do-brics-em-pequim-25439166
Em meio à guerra na Ucrânia, Brasil diz não a convite para reunião de chanceleres do Brics em Pequim
PEQUIM — Foi para a geladeira o plano do governo chinês de sediar em abril uma reunião com a presença dos chanceleres do Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Seria o primeiro encontro cara a cara dos ministros de Relações Exteriores do grupo desde 2019, quando eles estiveram juntos no Brasil. Mas a ideia de uma reunião presencial neste momento de guerra e pandemia não pareceu apropriada à Índia e ao Brasil, que disseram não ao convite. A princípio o encontro ficou para maio, por videoconferência.
O insucesso da China em trazer os ministros mostra a dificuldade do Brics em coordenar posições na esfera política, em meio a um conflito armado envolvendo um de seus membros. Para os detratores do grupo, é uma comprovação de sua irrelevância. Mas a iniciativa de Pequim também oferece um argumento aos defensores do Brics, ao sinalizar a importância conferida ao grupo pela segunda economia do mundo. O Brics “é uma força crucial para a governança global”, disse o chanceler chinês, Wang Yi. Na presidência do grupo este ano, a China irá organizar mais de 160 eventos do Brics, prometeu Wang.
A reunião de chanceleres proposta pela China faz parte do calendário dos Brics, e serve para preparar a cúpula de chefes de Estado do grupo que no momento está prevista para junho. Para a China, é uma oportunidade de projetar liderança para o mundo e para seu público doméstico, afastando o fantasma de isolamento pela proximidade com a Rússia. A questão é como lidar com a guerra na Ucrânia, que não estava na pauta do encontro. Não surpreende que o governo chinês queira contornar o assunto, para desviar a atenção de suas próprias ambiguidades ou para evitar divisões no grupo dos Brics. O que causou surpresa entre diplomatas é que Pequim tenha considerado ser possível contorná-lo.
Na reunião virtual do Brics sobre temas financeiros, realizada no dia 25 de fevereiro, o tema esteve praticamente ausente. Mas aí pode-se argumentar que os participantes foram pegos de surpresa, já que ela ocorreu um dia após a invasão da Ucrânia. Além disso, foi uma consulta técnica e por videoconferência, num escalão abaixo do ministerial. No caso da proposta feita por Pequim a história é bem diferente. Visitas oficiais à China da política de Covid zero têm sido raras desde o início da pandemia, e um encontro de chanceleres do Brics nessas circunstâncias seria um acontecimento e tanto. Excluir a guerra da agenda teria um alto custo político, esse era o temor de diplomatas próximos ao tema.
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Quando o convite foi emitido, quem primeiro disse não foi a Índia. O Brasil chegou a confirmar a presença do ministro Carlos Alberto França, mas a negativa indiana inviabilizou a realização do encontro. Isso “salvou” o chanceler brasileiro do que teria sido uma decisão equivocada, na opinião de diplomatas que haviam desaconselhado a ida de França à China. Primeiro, pelo momento politicamente sensível e a ausência de consenso sobre a Ucrânia no Brics — o Brasil foi o único do membro do grupo que endossou a resolução na ONU condenando a invasão. Segundo, porque as rígidas exigências de quarentena para quem chega à China não justificariam o sacrifício de uma reunião presencial neste momento.
Havia ainda uma questão de reciprocidade. Os chineses rejeitaram a proposta do Brasil de realizar presencialmente a próxima reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), o principal mecanismo de interação entre os dois países. A maior preocupação, porém, é que o Brasil tivesse sua posição de equilíbrio sobre o conflito comprometida em um encontro que poderia ser interpretado como um alinhamento do Brics com a Rússia, mesmo que isso não ocorresse de forma declarada.
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Mesmo que não haja uma sintonia absoluta entre os países membros, o fato é que nenhum deles aderiu às sanções contra a Rússia quando o país ocupou a Crimeia, e o mesmo se repete agora. Embora o Brics não tenha endossado a posição da Rússia em 2014, "a ausência de críticas e o reconhecimento das preocupações legítimas da Rússia podem ser considerados um apoio tácito”, segundo o professor Malte Brosig, professor de relações internacionais da Universidade Witwatersrand, de Johanesburgo, na África do Sul.
Para ele, o desafio do Brics na crise atual é encontrar uma posição de meio termo que não condene diretamente a Rússia, o que provocaria uma ruptura no grupo, mas também não seja de apoio declarado a Moscou, pois isso abalaria as relações com o Ocidente. Na visão de Brosig, a ausência de uma posição clara não enfraquece o grupo, pelo contrário: um dos principais “valores agregados" do Brics é o apoio do grupo ao status regional de seus integrantes, diz.
— Ao não tomar uma posição clara, o Brics tacitamente aceita que seus membros tenham uma preferência nacional em suas regiões. Isso funciona como uma vantagem para todos, promovendo autoridade regional — afirma Brosig. — Num momento em que a influência do Ocidente está em declínio, isso tem importância geopolítica.
Entre as dúvidas sobre a posição da China em relação à guerra da Ucrânia, uma delas é como o Brics se encaixa em sua estratégia sobre o conflito e no futuro de sua parceria com a Rússia. Na declaração conjunta do dia 4 de fevereiro, em que declararam “amizade sem limites”, China e Rússia situam o aprofundamento de sua parceria estratégica "dentro do Brics", incluindo em áreas como política e segurança. Mas como esse aprofundamento se aplica em caso de guerra, e qual o papel dos demais membros?
Todas as reuniões de cúpula dos Brics nos últimos anos foram concluídas com declarações que incluíram a defesa da soberania e da integridade territorial dos países. Diante da violação desses princípios cometida pela Rússia ao invadir a Ucrânia, os demais membros do grupo se tornaram adeptos da neutralidade. Questionado pelo GLOBO se havia uma coordenação entre os países do Brics para articular uma posição comum, o porta-voz da diplomacia chinesa optou por não responder.
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