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A escola nativa digital e seus professores órfãos pedagógicos

 

Resumo


Há duas décadas vem se tratando do problema de adaptar a escola a um modelo que incorpore as novas tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC). Esse tempo acabou: a escola já incorporou as TDIC no seu cotidiano, muito embora professores, gestores locais e gestores de políticas públicas ainda tenham muita dificuldade em encarar essa nova realidade do ponto de vista de seus velhos paradigmas.

Nesse artigo tratamos da necessidade de uma reflexão sobre essa nova escola e os papéis de alunos, professores e gestores diante da realidade que se apresenta. As análises apresentadas aqui baseiam-se em observações feitas em uma escola estadual paulista inovadora, em estatísticas e relatórios de diversos órgãos e no acompanhamento de professores que atuam em escolas de ensino básico das redes pública e particular.

Palavras-chave: Educação, mobiles, smartphone, TDIC, TIC, novas tecnologias, inovação

A escola que temos é a que sobrou, não a que construímos



A escola já é nativa digital.

Há duas décadas as escolas, principalmente públicas, viam-se diante de dificuldades de toda ordem, mas principalmente aquelas oriundas do sucateamento ocorrido nas décadas do regime militar. Embora muitas escolas ainda se encontrem sucateadas, é inegável que a situação já esteve pior e não há perspectiva em curto prazo de que esse panorama vá mudar.

Nas últimas décadas as escolas “sem tudo” eram um padrão comum no ensino público (e, disfarçadamente, no ensino privado). De lousas esburacadas e falta de giz até a falta de currículos ou planos pedagógicos, a escola era uma mendiga feia que tentava abraçar as políticas de inclusão que se intensificavam nessa época. Incluir, então, significava apenas colocar mais e mais alunos dentro das escolas e garantir que eles não a abandonassem, quer pela implantação de políticas de progressão continuada, quer pela pura e simples política local de “empurrar o aluno adiante a qualquer custo” (e mesmo que esse custo significasse falsificar a documentação escolar, como ocorreu na maioria das escolas e continua ocorrendo ainda).

Diante da impossibilidade de executar qualquer plano de ensino sem o mínimo suporte, que ia da falta de papel, giz, material didático para o aluno, carteiras, merenda, etc., até a falta de uma teoria pedagógica capaz de dar conta de uma situação de inclusão forçada, o que se viu foi uma escola que deixou de ser escola para tornar-se uma espécie de presídio de crianças e adolescentes, que ali vinham sem nenhum propósito ou possibilidade de aprendizagem e que ali permaneciam, quando permaneciam, por imposição da escola e da família.

O resultado mais palpável disso é o que observamos agora quando analisamos índices como o PISA e as diversas avaliações externas de âmbito nacional ou estadual. Atualmente estima-se que essa geração que iniciou seus estudos há duas décadas constitua o contingente de mais de 50% de analfabetos funcionais presentes no ensino superior, a quantidade significativa de jovens “nem-nem” (que não estudam e nem trabalham) e uma parcela preocupante de desempregados jovens incapazes de acompanhar as formações continuadas oferecidas pelas empresas e, portanto, sem empregabilidade.

Porém, também é dessa geração um contingente considerável de professores que passaram essas duas décadas aprendendo a desaprender, a crer que a escola era uma empreita impossível e assim, adaptando-se a um modelo corrompido e insustentável, muito bem descrito pela frase “o professor finge que ensina, o aluno finge que aprende e o governo finge que paga”.

A escola que temos hoje, seus professores, gestores e técnicos são fruto dessa escola que destruímos nas últimas duas décadas e que vive ainda sob esses paradigmas, que não são apenas paradigmas de uma escola fordista, bancária, excludente, propedêutica e militarista como tem sido afirmado muitas vezes, mas também dos novos paradigmas de uma escola inclusiva, mas sem propósitos, libertária, mas sem rumo. Uma escola que se viu órfã da sustentação dos modelos repressores e excludentes que apoiavam a pedagogia e as metodologias tradicionais e, ao mesmo tempo, que foi lançada às cegas aos propósitos inclusivos e libertários que lhe foram impostos nas últimas décadas.

Pensar em inovação e uso de novas tecnologias em uma escola sem identidade ou propósitos, que perdeu seu rumo na história e ainda se encontra sucateada e mal assistida, não é tarefa exclusiva para professores ou gestores locais, mas também para os técnicos e políticos e, principalmente, para a academia e os formadores de opinião. No entanto, pode ser possível transformar parte dessa realidade a partir de ações locais, e para isso as novas tecnologias, quando vistas como oportunidades de intervenção nas práticas pedagógicas, podem ser ferramentas poderosas.

Escolas sucateadas, ao contrário do senso comum, são bons ambientes para a inovação com práticas envolvendo as TDIC, tanto quanto são ambiente fértil para “pequenas revoluções” que devolvam a professores, alunos e gestores locais noções de autonomia, responsabilidade e liberdade (de cátedra e de aprendizagem).

Quando uma solução é vista como problema


Em todas as oportunidades de formação de professores, quer para uso das novas tecnologias, quer para uso das velhas didáticas, a grande dificuldade que se percebe nos professores não diz respeito às novidades tecnológicas ou mesmo à concepção teórica de uma escola inovadora e libertária, mas sim à práxis pedagógica, à transposição desses conceitos para metodologias de ensino, práticas efetivas de sala de aula e ideologias que acolham essas novas concepções no cotidiano do fazer pedagógico.

As novas tecnologias ainda são vistas como “novos problemas” por um razoável número de professores simplesmente porque eles não sabem o que fazer com elas. Mas o que pouco se comenta e, de fato, é a parte importante da raiz do problema da inovação pedagógica, é que esses professores também não sabem o que fazer sem elas!

O professor que não sabe o próprio currículo que tem que ensinar, que não sabe ensinar nem a alunos interessados em aprender e nem é capaz de preparar minimamente suas aulas para além do Ctrl+C do livro didático e Ctrl+V na lousa, esse professor não precisa de novas tecnologias, precisa de uma nova profissão. No entanto, as redes educacionais não podem prescindir desses professores, porque não há outros melhores para substitui-los e, ao fim e ao cabo, eles foram formados e treinados tal como se apresentam.

Um exemplo notório de como as TDIC estão sendo amplamente desperdiçadas como ferramentas de ensino e aprendizagem é o uso, ou falta dele, dos mobiles (smartphones, tablets, netbooks, notebooks, etc.). É um fato incontestável que mais da metade dos alunos na maioria das escolas públicas ou privadas, quer nos grandes centros quer nas mais distantes periferias, possui atualmente um smartphone. Também é um fato inconteste que esses aparelhos, agora conectados à internet via 3G, wireless ou outras tecnologias de comunicação sem fio, constituem-se em ferramentas importantíssimas para suprir parte das deficiências dessa escola sucateada e mal assistida. No entanto, as políticas restritivas ao uso desses aparelhos partem desde os gestores políticos (governos e secretarias) até os gestores da base (direção, coordenação e corpo docente).

Não é concebível que um aluno que estuda em uma escola que mal oferece água fresca e potável para seus alunos, quem dirá então bibliotecas modernas, salas-ambiente, laboratórios e apetrechos facilitadores (como calculadoras, computadores, dispositivos de som e imagem, etc.), possa proibir seus alunos de usarem seus smartphones sob a alegação de que eles atrapalham a aprendizagem. Que aprendizagem? Em quais índices, pesquisas ou avaliações vê-se demostrada essa aprendizagem que tanto se fala em preservar?

Experiências feitas em uma escola pública onde os alunos tem relativa liberdade de uso de seus smartphones e possuem ainda acesso livre a uma conexão wireless, mostraram que tanto esses quanto os seus professores fizeram usos mais produtivos do que problemáticos desse aparelho. Na contramão da inovação, mas ainda representando a grande via atual onde trafegam as nossas escolas, aquelas onde há uma política rígida de proibição de uso de smartphones não só não comprovam nenhum ganho de aprendizagem em relação a outras menos restritivas como também não conseguem restringir de fato o uso desses aparelhos e, por causa disso, têm problemas adicionais com a administração dos conflitos inevitáveis advindos dessa política.

Em artigos anteriores [1] [2] já tratei das diversas possibilidades de uso dos smartphones (e mobiles em geral), mas cabe também tratar uma nova questão que se apresenta a partir do uso inevitável desses aparelhos por parte dos alunos: de forma independente dos seus professores (que proíbem ou não usam pedagogicamente esses aparelhos) os alunos estão descobrindo formas de uso que facilitam seus estudos.

Esse movimento de “uso pedagógico dos mobiles e TDIC não assistido por educadores” sempre existiu, ainda que veemente negado por professores que “abominam” o uso das TDIC, e vem se acentuando nos últimos anos. Alunos atualmente, e à margem de qualquer orientação pedagógica, utilizam seus smartphones para agendar suas tarefas, consultar dicionários e enciclopédias, pesquisar sobre temas que aprendem em aula, registrar lousas e quadros de aviso por meio de imagens, trocar informações com colegas e até mesmo praticarem outras línguas. Sem falar do desenvolvimento de raciocínio lógico-estratégico a partir dos tão odiados (por alguns professores) games.

Pressão e repressão no sistema educacional


De parte dos professores também é crescente o uso das TDIC à margem dos seus gestores imediatos e mais distantes e, infelizmente, à margem de uma metodologia pedagógica e consistente de uso. Esse movimento vem ganhando massa crítica e em muitas escolas já começa a produzir uma pressão favorável à modernização dos processos de ensino que vão da preparação e execução de aulas até a documentação burocrática. Em alguns casos, felizmente, esse movimento também tem contaminado outros docentes e se disseminado para além dos muros locais da escola por meio das redes sociais.

Em escolas onde os professores passaram a fazer uso frequente e consistente do projetor multimídia, por exemplo, já há pressão para a aquisição de mais aparelhos, salas apropriadas, conexão à internet de melhor qualidade, etc. Onde professores inovadores começam a organizar e gerenciar o uso de mobiles ao invés de proibi-los, há pressões para a flexibilização de regras de convivência e a própria noção de autonomia de cátedra começa a renascer. Até mesmo a documentação burocrática do professor, melhor descrita pela presença ainda arqueológica da velha “caderneta escolar”, já começa a sofrer modificações graças a iniciativas de uso de documentação eletrônica e mesmo online [3].

A toda essa pressão inovadora se opõe, muitas vezes, a repressão de coordenadores, diretores e supervisores escolares que ainda vivem sob os auspícios tardios do sistema repressor da ditadura militar e que, via de regra, se enquadram nos moldes daqueles educadores que perderam o rumo nas últimas duas décadas. No entanto, não há suporte legal nem pedagógico para ações repressivas aos professores inovadores e, por isso, pouco se fala sobre o tema a fim de não trazê-lo à tona para a discussão (visto que seria uma discussão perdida).

Do ponto de vista da gestão das políticas educacionais, ainda que o governo federal e alguns governos estaduais tenham empreendido algumas políticas de inclusão digital, pouco tem sido feito, de fato, para promover o letramento digital de toda a máquina educacional. Não há, por exemplo, políticas claras sobre o direcionamento dos movimentos de inovação, sobre um currículo de letramento digital ou mesmo algum consenso sobre um pacote mínimo de apetrechos e logística para dar suporte às novas tecnologias nas escolas. O que se tem visto em muitos locais são apenas pequenos projetos pilotos, muitas vezes encabeçados por institutos e fundações do terceiro setor, que são usados mais para o marketing político nas campanhas eleitorais (ou o marketing social das organizações não governamentais) do que como projetos visando toda a rede onde são implantados para teste.

A pressão necessária para o surgimento de políticas públicas mais consistentes nessa área depende menos dos atores das redes educacionais do que da mídia e de um conjunto de formadores de opinião que estão mais presos a paradigmas econômicos do que educacionais. Portanto, nessa esfera só podemos atuar de forma organizada e estrategicamente pensada em termos político-econômicos, o que infelizmente não acontece no universo das redes educacionais depois do desmantelamento e desvirtuamento dos sindicatos de classe.

Conclusões


A escola atual já é nativa digital, pois seus alunos são nativos digitais e a sociedade onde vivem faz uso ostensivo das TDIC. Independentemente das políticas locais, estaduais ou federais relativas às novas tecnologias, elas existem dentro da escola, ainda que escondidas nos bolsos dos alunos na forma de um smartphone. Por outro lado, professores e gestores, em grande número, são órfãos pedagógicos de uma escola que se viu sem rumo nas últimas duas décadas e que perdeu a competência de ensinar sem ou com novas tecnologias.

Nesse contexto, as novas tecnologias representam oportunidades tanto de inovação tecnológica quanto pedagógica, pois com elas se pode também trazer a capacitação que falta aos professores para o domínio próprio de seu fazer pedagógico, a capacitação de gestores para lidarem com as novas demandas oriundas de qualquer inovação, e não apenas a tecnológica e, no limite, aos gestores de políticas públicas por meio da reengenharia das redes educacionais, sem a qual estaremos apenas remendando as muletas de uma escola aleijona.

Por ser dinâmica, a escola se transforma mesmo à revelia de políticas públicas globais ou locais, mas a pressão local que se inicia com as demandas dos próprios alunos e se expande para o corpo docente pode levar à mudança de diversos paradigmas e a redescoberta da autonomia da escola, dos objetivos da gestão em todas as esferas das redes educacionais e, no limite, a reengenharia das redes educacionais com políticas públicas de inclusão e letramento digitais consistentes com as demandas mais atuais.


Uso pedagógico do telefone móvel (Celular)

 Texto Encontrado no Seguinte Endereço: http://professordigital.wordpress.com/2010/01/13/uso-pedagogico-do-telefone-movel-celular/

Contextualizando



Martin Cooper, da Motorolla, e o primeiro telefone celular.

O telefone móvel, ou celular, foi lançado em 1973, em Nova Iorque. Na época ele era gigantesco, pesava o equivalente a dúzias de celulares modernos e tinha uma área de abrangência muito restrita, além de ser analógico (*1) e não digital (*2).

Somente uma década mais tarde, em 1983, chegaria ao mercado o primeiro modelo comercialmente viável, o DynaTAC 8000x, da Motorola, pesando apenas 794,16 gramas.

Você pode encontrar um pouco da história dos celulares nos links sugeridos no final deste artigo.

O meu primeiro celular, foi um “tijolinho” da Motorola que inaugurou a linha de microcelulares, o Microtac. Na época (década de 90) ele custava caríssimo e só funcionava em uns poucos lugares “iluminados”, pois a maior parte do país ainda era uma área de sombra (*3) para a telefonia móvel incipiente de então.

Meu primeiro telefone celular
Meu primeiro celular foi um Motorola Microtac. O mais leve da categoria em sua época, pesando apenas 290 gramas!

Confesso que na época eu mesmo não via nenhuma outra utilidade no telefone celular que não fosse a de poder falar de diferentes lugares com um mesmo telefone. O celular era então apenas um telefone e somente adultos dispostos a investirem uma quantia razoável, e que tivessem uma boa razão para tal, se dispunham a comprá-lo.

Hoje em dia o telefone celular é um dos aparatos tecnológicos mais comuns. Segundo pesquisa do Núcleo Gestor da Internet no Brasil, em 2008 52% da população do Brasil já possuía telefone celular. Nos grandes centros urbanos já é quase impossível encontrar alguém com mais de 14 anos que não tenha um telefone celular.

Celular moderno
Celular moderno, com tela giratória e com capacidade para HDTV.

Os telefones celulares atuais são pequenos, leves, tem baterias duradouras, funcionam em quase todos os lugares e há muito deixaram de exercer apenas a função de telefone. Hoje em dia os telefones celulares são verdadeiras centrais multimídias computadorizadas (*4) onde se pode telefonar (Sim! Os telefones celulares ainda servem para telefonar!), ouvir rádio, mp3, assistir TV, tirar fotos, fazer filmes, gravar voz, jogar videogame, mandar e receber e-mails ou arquivos e acessar a Internet, dentre outras muitas funções.

E é justamente por serem centrais multimídias computadorizadas que os telefones celulares deixaram de ser apenas telefones e passaram a ter múltiplas finalidades. E é claro que entre os muitos usos que podemos fazer deles, alguns também podem ser pedagógicos!

Desfazendo alguns mitos


Antes de propor usos pedagógicos para o telefone móvel celular atual é preciso desfazer alguns mitos sobre a presença do celular na escola e o principal deles é o que diz que o telefone celular é desnecessário na escola e, além disso, atrapalha o andamento das aulas.

Alguns professores se queixam que os telefones celulares distraem os alunos. É verdade. Mas antes dos telefones celulares eles também se distraiam. A única diferença é que se distraiam com outras coisas; como aliás, continuam fazendo nas escolas onde os telefones celulares foram proibidos. O que causa a distração nos alunos é o desinteresse pela aula e não a existência pura e simples de um telefone celular. Exemplo claro disso é que em muitas escolas e em muitas aulas os alunos não se distraem com seus celulares, apesar de estarem com eles em suas mochilas, nos bolsos ou mesmo sobre as carteiras.

Alguns afirmam que os alunos usam celulares para colar. Bom, é provável que sim. Alunos colam sempre que estão diante de provas e atividades que permitam ou estimulem a cola. Essas provas e atividades são geralmente pobres e requerem apenas uma resposta “decorada” ou que se assinalem alternativas, coloque-se verdadeiro ou falso ou se forneça um número como resposta. Nesses casos colar é a solução mais inteligente como resposta a uma avaliação pouco inteligente. Em avaliações onde o aluno precisa pensar, construir respostas próprias ou realizar “ações”, praticamente não há como colar, nem com celular, nem sem celular. Além disso, como todo professor sabe muito bem, a “tecnologia da cola” é muito anterior à do celular.

Aviozinhos de papel
Se proibirmos o uso de cadernos acabaremos com os aviõezinhos de papel na classe?

Há quem diga que os alunos usam os telefones celulares para, propositalmente “zoarem” nas aulas, com o professor ou com os colegas. É verdade! E eles também zoariam nessas mesmas aulas sem os celulares: jogando aviõezinhos, bolinhas de papel, fazendo piadinhas e outras milhares de traquinagens possíveis. Não é o celular que incentiva o aluno à indisciplina e sim o desejo dele de confrontar o professor. A solução para esses casos não tem nenhuma relação com o telefone celular, assim como não tem nenhuma relação com os aviõzinhos de papel (ou também proibiremos os alunos de trazerem cadernos na escola porque eles tiram folhas e fazem aviõzinhos de papel?).

Assim como se argumenta que a Internet permite que os alunos tenham acesso a materiais impróprios e façam uso indevido dela, também há quem diga que os telefones celulares permitem uma série de “violações” às regras e normas éticas e morais. Na verdade também nunca foi preciso ter telefone celular para violar essas regras e a escola serve, entre outras coisas, para ajudar na formação ética e moral de seus alunos, e isso não se faz com imposição, omissão ou simples proibição. Ética e valores são conteúdos transdiciplinares que devem estar presentes sempre, inclusive ao lidarmos com as novas tecnologias.

Também se argumenta que é constrangedor para os alunos que não têm celular conviverem com outros que os têm. Provavelmente também seja verdade, mas também é igualmente verdadeiro para os tênis que eles usam, para a calça jeans, para o caderno de capa dura, para o estojo, para o relógio, etc., etc. Na escola temos que aprender, todos nós, a conviver com as diferenças e compreender a realidade que as produz. Não podemos simplesmente decretar que todos usem as mesmas roupas (apesar da exigência de uniformes em algumas escolas), que tenham os mesmos materiais escolares, que façam uso do mesmo vocabulário, dos mesmos brinquedos e principalmente, que tenham as mesmas ideias.

Enfim, todos os argumentos que costumo ouvir defendendo a proibição dos celulares nas escolas são argumentos pouco refletidos, onde os problemas reais que são apontados dizem respeito à forma de gestão de aula do professor ou a maneira como a própria escola idealiza o aluno e não ao aparelho de telefone celular propriamente dito. Antes do telefone celular esses mesmos argumentos eram usados para proibir o walkman, o baralho de cartas, os jogos de tabuleiro, as revistas, o rádio de pilhas, a calculadora, etc. etc. Na verdade às vezes eu tenho a impressão de que alguns professores gostariam que seus alunos ficassem nus, amarrados às carteiras e com uma mordaça na boca.

Além desses todos, também há um argumento bastante recorrente para justificar a proibição dos celulares na escola: eles não ajudam o professor em nada, então para que permiti-los? Vamos refletir um pouco mais sobre isso?

  • Você, professor, já usou um rádio, rádio-gravador ou um aparelho de reproduzir sons em sala de aula?
  • Já usou alguma vez uma calculadora, em alguma aula?
  • Já usou uma TV, um videocassete ou um DVD em alguma atividade?
  • Já manteve contato com os alunos por e-mail, pela Internet ou por outro dispositivo que permita comunicação à distância?
  • Já fez alguma atividade onde fosse necessário tirar fotos ou gravar um filme?
  • Já propôs alguma entrevista que fosse gravada e depois transcrita?
  • Já usou jogos eletrônicos (videogames) com seus alunos?
  • Costuma comunicar datas de provas e de entregas de trabalho para seus alunos e pede que eles anotem?
  • Já pediu alguma vez aos seus  alunos que copiassem suas anotações feitas na lousa?
  • Já lhes disse alguma vez: “Preste muita atenção na explicação que vou dar agora!” ou algo semelhante a isso?
  • Já consultou a hora para saber quanto falta para o término da aula ou já usou um cronômetro para lhe avisar quando faltarem cinco minutos para o final da sua aula?

Bom, se você já fez pelo menos uma das atividades ou ações descritas acima, então saiba que ela poderia ter sido feita de forma equivalente com o uso de telefones celulares modernos e, não raro, de forma até bem mais eficaz!

Usando o celular na escola


Vou contar uma breve historinha:

O MEC envia livros para as escolas, mas nem sempre há livros para todos. Em 2009 deparei-me com uma situação destas, em que uma classe ficou sem livros e foi necessário então compartilhar os livros entre duas classes. Porém isso impedia os alunos de levarem os livros para casa para poderem estudar… O que fazer?

Em outros tempos eu pediria aos alunos que copiassem as partes mais importantes do livro usadas em cada aula e diríamos que isso era a “matéria para ser estudada”. Isso demanda muito tempo de aula gasto inutilmente, pois não temos esse tempo disponível, temos? Além disso, a menos que o objetivo da aula seja treinar caligrafia ou chatear os alunos, fazer cópias de livros e mesmo da lousa é algo realmente “inútil”. Também existe a possibilidade de fotocopiarmos algumas páginas, mas isso tem um custo com o qual poucas escolas públicas podem arcar.

Mas não precisamos mais fazer nada disso. Agora basta pedir aos alunos que peguem seus celulares e FOTOGRAFEM as páginas importantes do livro! E foi justamente isso que os alunos fizeram.


O Celular como ferramenta de registro

O mesmo vale para a lousa e mesmo para as pesquisas bibliográficas na biblioteca. Quando algum aluno me pergunta hoje em dia se precisa copiar minhas anotações da lousa, eu logo lhe recomendo que faça algo mais inteligente: fotografe a lousa! E eles fazem!

Essa brevíssima historinha, que é apenas uma dentre muitas,  já me permite então listar algumas sugestões para o uso pedagógico dos telefones móveis celulares modernos em sala de aula e fora dela:

  1. Se você em algum momento faz cálculos em suas aulas e solicita que os alunos os façam, e a menos que por alguma boa razão eles devam fazer esses cálculos com algoritmos específicos e usando papel e lápis, então considere fortemente a possibilidade de usar os celulares como calculadoras. Além disso, se você é professor de matemática e quer ensinar seus alunos como resolver expressões aritméticas obedecendo as regras de precedência de operadores, considere que o uso de calculadoras, e portanto celulares, consiste em um método bastante eficaz de fazê-lo, pois as máquinas seguem a ordem que nós determinamos para as operações; o telefone celular é uma calculadora também;
  2. Se você marca datas de provas, entregas de trabalho ou outras datas que considera importante que os alunos se lembrem, peça-lhes que anotem essas datas. Não no caderno, mas sim na agenda do celular! Eles andam com o celular no bolso o tempo todo e só estão perto do caderno quando estão na escola, confere? O telefone celular é uma agenda que tem até mecanismo de alerta;
  3. Já é possível criar um serviço de envio de mensagens de aviso por e-mail ou via torpedos. Pelo celular é possível receber atualizações de sites, blogs e até mesmo de mensagens do Twitter, bem como fazer o caminho oposto. Se quiser dar um passo adiante você pode criar um serviço desses e disponibilizar para seus alunos; o telefone celular também é um serviço de leitura de notícias e de publicação de notícias;
  4. Os celulares atuais gravam sons, imagens (fotos) e ambos (filmes). Todos esses recursos servem para “registro”. Permita, e mesmo incentive, que seus alunos fotografem sua lousa ao invés de copiá-la no caderno. Isso lhes permite prestar atenção em você, enquanto você fala e escreve, ao invés de repartirem a atenção entre o que você diz e o que eles estão copiando nos cadernos. O mesmo vale para as suas explicações importantes que podem ser gravadas como sons ou como filmes. Imagine o quanto é mais interessante para o aluno “assisti-lo” ou mesmo “ouvi-lo” na hora de estudar do que apenas conferir anotações, nem sempre fiéis, feitas nos cadernos! Use, você mesmo, esses recursos para registrar atividades feitas com os alunos; o telefone celular é uma câmera fotográfica digital, uma filmadora digital e um rádio-gravador digital;
  5. Proponha o uso dos celulares como ferramentas para os alunos desenvolverem seus trabalhos. Como foi dito acima, com o celular eles dispõem de gravador de voz, imagem e vídeo, muito embora eles mesmos não tenham o hábito de registrar suas atividades. Isso é o que chamamos de “making-off” das atividades e, ao fim e ao cabo, é esse o único registro que nos interessa e não o resultado final da atividade. Por exemplo, se eles têm que confeccionar uma maquete, porque não fotografar todas as etapas e depois transformar isso em um filme (animação) que pode ser incluído como parte da própria atividade? O telefone celular é uma ferramenta de registro, edição e publicação.

Aparelho de celular moderno
Siemens SK65 – celular ou computador?

Há uma infinidade de possibilidades de uso pedagógico dos telefones celulares modernos em sala de aula e fora dela. Quais lhe interessam? Isso certamente depende da forma como você, professor, usa a tecnologia para si mesmo, em suas aulas e com os seus alunos. Quem não vê nenhum uso pedagógico para o rádio, a televisão, a máquina fotográfica, a filmadora, o gravador, a calculadora, a agenda, etc., então também não verá nenhuma utilidade para o celular, pois é isso que ele representa hoje em dia: não é mais um simples telefone, o celular é uma central de multimídia computadorizada.


Eles têm, eles trazem e eles usam… Porque não?

À propósito, sempre foi muito comum a falta de recursos tecnológicos nas escolas, principalmente nas escolas públicas. Com o telefone celular passamos a ter muitos desses recursos disponíveis não apenas pela escola, mas também pelos alunos! Isso deveria ser comemorado, mesmo que não concordemos que os alunos prefiram ganhar celulares dos seus pais do que enciclopédias, pois com os celulares eles também ganham diversas possibilidades de aprendizagem que antes não tinham porque a própria escola não dispunha desses recursos. Isso é fascinante, não é?

Alguns cuidados finais


Porém, antes de sair por aí reformulando todas as suas práticas e instituindo a obrigatoriedade do uso do telefone celular na escola, tenha em mente que ainda temos muitos alunos que não têm telefone celular ou que têm telefones celulares que não dispõem de todos os recursos mencionados aqui. Além disso, em alguns estados e municípios (e há uma lei tramitando com validade para o país todo) o celular é proibido na escola. Portanto, é preciso sempre:

  • propor atividades que envolvam o uso de celulares para grupos de alunos em que pelo menos um aluno do grupo disponha do celular com o recurso que será utilizado;
  • permitir que os alunos aprendam a usar o recurso antes de propô-lo como parte de uma atividade. Geralmente os alunos dominam os celulares melhor do que seus professores e aprendem rápido a usá-lo, por isso é uma boa idéia “deixar que eles mesmos ensinem e aprendam a usar o recurso entre eles mesmos” (e aproveite para aprender também!);
  • discutir as questões éticas e morais envolvidas no uso de imagens e registros, bem como o uso indevido dos celulares e de outros equipamentos de mídia;
  • estabelecer claramente no planejamento da sua atividade, e descrever em detalhes no seu planejamento de aula, os objetivos do uso do celular nas atividades propostas. Haverá sempre alguém para se indignar com o fato do celular estar sendo usado na sua aula, infelizmente;
  • e, por último, estabelecer claramente as regras de uso dos celulares na escola de maneira geral e, em particular, durante as aulas em que não estarão usando o celular “como parte da aula”, da mesma forma como estabelecemos as regras para o uso do baralho, dos jogos de tabuleiro, dos avioezinhos de papel e de todo o resto.

Veja que não é difícil negociar o que pode e o que não pode, quando se deve e quando não se deve usar o celular. Fazemos isso da mesma forma como estabelecemos outras regras de convivência na escola. Os conflitos mais comuns que surgem nas salas de aula devem-se justamente à falta de uma definição clara desses acordos e da crença em pressupostos perigosos, como o de que o aluno “deve saber naturalmente o que é certo e o que é errado”.

Também é importante discutir com os alunos os limites éticos e morais do uso do celular, e de outros instrumentos tecnológicos modernos, fora da escola. O celular é parte do cotidiano deles e ensiná-los a usá-lo com sabedoria é também parte da nossa tarefa como educadores. E esta é mais uma boa razão para usar os celulares na escola como ferramentas pedagógicas, pois com isso somos naturalmente levados ao contexto do seu uso responsável e podemos desempenhar nosso papel de educadores de forma natural.

 

 

TICs, telefones celulares e a escolassaura

 Artigo encontrado na seguinte fonte:

 http://professordigital.wordpress.com/2012/01/30/tics-telefones-celulares-e-a-escolassaura/

A escola é, talvez, a instituição mais jurássica de todos os tempos (por que vivo repetindo isso?). Embora ela tenha o compromisso de educar a geração atual para um mundo futurista que nem nasceu ainda, e nem sabemos como será, ela mesma ainda vive na pré-história em diversos sentidos e não tem o menor desejo de “evoluir”, pelo menos o suficiente para chegar perto dos tempos atuais. Mas antes de concordar com isso, pense bem, caro leitor amigo: a escola não se encerra nos limites de seus próprios muros, ela se estende por toda a sociedade, e você, caríssimo leitor, também é responsável por essa escola jurássica e suas idiossincrasias.
Enquanto escrevo esse artigo, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 2806/2011. Esse projeto é uma “extensão” de um projeto anterior que proibia o uso de telefones celulares em todo o país e, agora, “modernizado”, o projeto prevê a proibição de qualquer aparelho eletrônico portátil em todas as escolas e em todos os níveis de ensino, do infantil ao superior.
No Estado de São Paulo, na cidade do Rio de Janeiro, no Ceará e em Rondônia (e talvez também em outros estados e municípios, pois as más idéias se espalham rápido) já há leis específicas proibindo o uso de telefones celulares e outros aparelhos eletrônicos pelos alunos.
Ao invés de entrar em uma polêmica tola sobre “se devemos permitir ou proibir o uso de celulares, games e outros brinquedinhos eletrônicos em sala de aula”, eu lhes pergunto algo bastante simples e objetivo: em que momento algum professor, alguma escola, algum pai de aluno ou algum governo defendeu ou defenderá que os alunos devam ir à escola apenas para jogar videogame, assistir vídeos no Youtube, bater papo no MSN ou fotografar o professor tirando caca do nariz para depois publicar no seu fotolog?
A mim, e espero que a você também, parece evidente que a escola não é apropriada para esse tipo de “diversão”, assim como não esperamos o mesmo comportamento em uma missa ou em um enterro (olha, eu juro que tentei comparar com outras situações, mas a escola está mais para missa e enterro do que para festa de casamento).
Por outro lado, faça um esforço e tente se lembrar de sua infância… Agora pense: se quando você era criança e estava na escola você tivesse um telefone celular onde pudesse jogar videogame, fazer filmes sacanas do professor ou dos colegas, trocar mensagens e fofocas instantâneas, ouvir música, etc., etc., será que você não o faria?
Eu não posso responder por você, mas posso responder por mim mesmo. Eu faria sim, às vezes. E sei que seria punido por fazê-lo (mas mesmo assim faria!). Hoje eu não faço mais, mas hoje eu sou adulto e, como agravante, sou professor, tenho sempre que dar exemplo de “bom comportamento” e, a bem da verdade, de qualquer forma essas coisas já não me interessam mais.
Pois bem, o mundo mudou, a tecnologia se espalhou por todas as partes, as possibilidades são imensas mas, mas, mas… As crianças e adolescentes de hoje continuam sendo crianças e adolescentes como nós mesmos fomos um dia! A tecnologia só lhes fornece novos meios de fazerem suas traquinagens, e eles as farão até que se tornem adultos e, talvez, acabem como pessoas “xaropes” como eu e você.
Alguns adultos parecem que se esqueceram que já foram crianças e agora não entendem mais nada sobre a infância e a adolescência. Esses adultos acreditam que publicando leis poderão mudar a estrutura neurológica, os hormônios e a psicologia das crianças e dos adolescentes. Isso é tão ridículo que parece traquinagem de adolescente que possui um brinquedinho novo de “assinar leis”.
Fato: mais da metade das crianças entre 7 e 9 anos de idade possui um telefone celular. Quase metade dessas crianças não recebe nenhuma orientação de uso desse brinquedinho tecnológico por parte de seus pais ou de seus professores!
Pergunta: se crianças e adolescentes possuem celulares (que ganham dos pais!) e não possuem orientação alguma, nem da família nem da escola, sobre como utilizá-los em diversos ambientes e situações e, além de tudo, são crianças e adolescentes e não adultos xaropes, como se pode esperar deles que não levem seus brinquedinhos à escola e, estando lá, não brinquem com eles?
Smartphone Optimus Black
Eles são úteis aos alunos e aos professores
Em outro artigo publicado nesse blog, Uso pedagógico do telefone móvel (Celular), eu já tratei de diversas possibilidades de fazer um uso adequado desses aparelhinhos em sala de aula, então agora só quero compartilhar algumas experiências que talvez possam ser úteis para que professores possam conviver melhor com esses “monstrinhos divertidos” ao invés de apostarem em leis caducas que não serão cumpridas e entrarão para a história como a lei de Jânio Quadros que proibia o uso do biquini nos concursos de miss (pode rir agora, mas à época também havia polêmica e defensores da proibição).

Você não precisa de novas leis

A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) estabelece os direitos e deveres de todos os agentes envolvidos no processo Educacional. Estados e municípios também possuem legislações próprias garantindo direitos e deveres desses agentes.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) reforça a garantia à todos os alunos do direito à aprendizagem e, portanto, confere aos professores o dever de garantir esse direito em suas salas de aula.
Toda escola tem um regimento escolar interno que já estabelece direitos e deveres para alunos e professores.
Todo professor pode e deve estabelecer um regimento de conduta em suas aulas (o que chamamos vulgarmente de “combinados”) com os alunos.
Isto posto, fica claro que nenhum aluno pode, à revelia de todos os “combinados”, regimentos e leis, fazer o que bem entende na sala de aula, e isso inclui qualquer atividade que coloque em risco sua própria aprendizagem ou a aprendizagem dos seus colegas. Obviamente que aí se inclui qualquer brincadeira ou distração que não faça parte das atividades pedagógicas propostas pelo professor, quer seja ela feita com “brinquedos eletrônicos”, quer seja feita com brinquedos não eletrônicos (como jogar futebol dentro da sala, jogar baralho no fundão, andar de skate, etc.).
O que é fundamental aqui é que o professor esclareça seus alunos sobre seus direitos e, consequentemente, deixe claro as regras a que todos estarão submetidos para que se possa ter um ambiente saudável de aprendizagem onde esses direitos sejam respeitados por todos.
Não é óbvio para os alunos que eles têm que ter seu direito à aprendizagem garantido pelo professor e que, por causa disso, é o professor que pode e deve estabelecer quais usos são admitidos ou não para qualquer aparelho, objeto ou material presente na sala de aula.
No caso específico dos telefones celulares o professor deve deixar claro as situações em que esse aparelho será útil e aquelas onde ele deverá permanecer desligado.
É evidente que nem sempre os alunos seguirão as regras (Lembra-se? Eles são crianças e adolescentes e não adultos xaropes!) e toda vez que algum deles fizer uma transgressão ele deverá sofrer uma sanção proporcional à sua transgressão. Aqui é fundamental ter bom-senso e entender que ocorrerão várias transgressões, que será preciso ter paciência e compreender com naturalidade a natureza dessas transgressões e, por fim, que a autoridade do professor não pode ser abandonada em momento algum, da mesma forma que não pode ser transformada em autoritarismo. É preciso educar o aluno para o bom uso do celular e não brigar com ele quando ocorre um mau uso.

Minha experiência com o uso de telefones celulares em classe

A quase totalidade dos meus alunos possui telefones celulares e uma porcentagem considerável possui smartphones.
Em minhas aulas os alunos podem e devem trazer o telefone celular e usá-los dentro dos limites e regras que são discutidos, explicados e acordados logo no início do ano. Eu optei por permitir e estimular o uso pedagógico dos telefones celulares nas minhas aulas pelos seguintes motivos:
  • A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, para qual trabalho como professor, não possui condições para prover a escola de recursos materiais em quantidade suficiente para atender todos os meus alunos e, em contrapartida, a quase totalidade deles dispõe dos seguintes recursos próprios em seus telefones celulares:
    • calculadora;
    • agenda eletrônica;
    • bloco de anotações;
    • câmera fotográfica digital;
    • filmadora digital;
    • gravador de áudio digital;
    • acesso à internet;
    • dispositivo digital de reprodução multimídia (sons, imagens, filmes e animações);
  • Eu tenho um compromisso com a qualidade do ensino oferecido aos meus alunos que não me permite abrir mão de todos esses recursos oferecidos pelos telefones celulares;
  • O uso dos telefones celulares pelos meus alunos favorece sua aprendizagem permitindo práticas, dinâmicas e atividades que seriam inviáveis sem eles. Além disso, o uso dos celulares melhora a produtividade da aula permitindo ganhos de tempo e qualidade da aprendizagem;
  • Entendo que é parte do meu ofício como professor orientar meus alunos quanto aos bons usos do telefone celular de maneira a permitir-lhes que exercitem esse bom uso em atividades escolares cotidianas para que, por extensão, também o façam fora dos limites da escola (no seu trabalho, na sua casa e em diferentes meios de convívio). E eu não poderia fazer isso de forma efetiva sem que eles usassem os telefones celulares em minhas aulas.
Meus alunos usam telefones celulares regularmente para:
  • fazer contas usando a calculadora;
  • agendar tarefas e provas na agenda do celular;
  • fotografar as minha lousas (eu sugiro esse método, ao invés da cópia da lousa no caderno, porque são alunos do Ensino Médio, porque isso garante maior fidelidade da informação, porque isso é uma atividade sustentável que evita o uso de papel e porque o celular permite armazenar as lousas do ano todo em parte insignificante de sua memória). Eu mesmo fotografo minhas lousas para ter o registro exato do que foi trabalhado em cada classe;
  • fotografar materiais didáticos indisponíveis para toda a classe, como páginas de um dado livro que a escola não dispõe para a classe toda;
  • registrar por meio de filmes e imagens as atividades práticas no laboratório ou fora da sala de aula;
  • desenvolver atividades no laboratório ou fora da sala de aula usando recursos de multimídia e outros disponíveis no celular (áudios/entrevistas, vídeos, imagens, apresentações, calculadora, cronômetro, etc.)
  • pesquisar conteúdos na internet (para os que têm smartphones);
  • usar como fonte de material de consulta em “provas com consulta” (podendo usar o conteúdo da memória do celular ou o obtido via internet ou redes sociais).
Meus alunos não usam o telefone celular em classe para:
  • fazer ou receber ligações na sala de aula (isso eles podem fazer quando saem para ir ao banheiro);
  • jogar videogame, assistir vídeos, ouvir música, participar de redes sociais, navegar pela internet ou fazer qualquer outro uso que não tenha sido explicitamente solicitado por mim como parte de alguma atividade pedagógica;
  • produzir qualquer tipo de material (áudio, imagem, vídeo, etc.) não solicitado explicitamente por mim;
  • participar de redes sociais ou manter comunicações com outras pessoas, exceto quando isso faz parte de uma atividade e foi solicitado por mim.
Além disso:
  • Procuro orientar meus alunos sobre o uso seguro dos celulares e da internet de forma geral;
  • Discuto com meus alunos questões envolvendo ética, direitos autorais e violação dos direitos privados dos colegas;
  • Oriento-os a estabelecerem contratos de uso dos celulares com todos os demais professores, esclarecendo que cabe a cada professor determinar a forma como os telefones celulares podem ou não ser usados em suas aulas.
O número de vezes que tenho que intervir para garantir o uso correto dos celulares cai progressivamente ao longo do ano nas classes dos primeiros colegiais e é mínimo nas classes onde os alunos já me conhecem.
Nunca houve nenhum caso de mau uso do celular onde as sanções precisassem passar do nível da advertência verbal e discreta.
Os relatos de experiências de professores com os quais tenho contato em projetos que participo, nas redes sociais e em oficinas de formação onde atuo como formador dão conta de resultados bem parecidos com os meus. Logo, não apenas a “teoria” sobre o uso pedagógico do telefone celular, como também a prática, têm mostrado que é possível, viável e recomendável que ele seja usado cada vez mais em nossas aulas.
Finalmente, aos professores que imaginam que proibir o uso do telefone celular por meio de leis, ou da proibição do aluno levá-lo à escola, poderá ser um meio “mais fácil” de lidar com o problema do seu mau uso, eu deixo aqui uma pergunta bastante razoável: não seria mais “profissional” da parte do professor educar ao invés de proibir?

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