terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Teste – Manhã 10/ 02/2015

FORTALEZA DIGITAL


 

DAN BROWN


 


 

SEXTANTE


 


 


 

Prólogo


 


 

Plaza de Espana

Sevilha, Espanha

11 h da manhã


 

Dizem que, quando chega a hora da morte, tudo se torna claro. Ensei Tankado sabia agora que isso era verdade. Quando caiu no chão com fortes dores, apertando o peito com a mão, percebeu a dimensão terrível do seu erro.

Algumas pessoas se aproximaram, cercando-o e tentando ajudar. Mas Tankado não queria ajuda. Era tarde demais.

Levantou a mão esquerda, tremendo, e esticou os dedos. Olhem para a minha mão! As pessoas em volta olhavam, mas ele percebia que não estavam entendendo.

Em um de seus dedos havia um anel dourado entalhado. Por um breve instante, as inscrições do anel reluziram ao sol da Andaluzia. Ensei Tankado sabia que essa seria a última luz que jamais veria.


 

CAPíTULO

1


 

Estavam no seu hotel preferido nas Smoky Mountains. David olhava para ela, sorrindo.

- Então, querida, o que me diz? Vamos nos casar?

Deitada na cama, ela devolveu o olhar. Aquele era o homem certo. Para sempre. Enquanto admirava seus profundos olhos verdes, em algum lugar distante uma campainha começou a tocar. Ela tentou abraçá-lo, mas seus braços encontraram apenas o vazio.

O ruído do telefone acabou despertando Susan Fletcher do seu sonho. Ela suspirou, sentou-se na cama e tateou em volta, procurando o telefone.

- Alô?

- Oi, Susan, é o David. Eu te acordei?

Ela sorriu, rolando na cama.

- Estava sonhando com você. Vem pra cá ficar comigo...

Ele riu.

- Ainda está escuro lá fora.

- Humm - ela murmurou, sensualmente -, então você tem mesmo que vir pra cá. Vamos brincar. Podemos dormir um pouco antes de viajar.

David soltou um suspiro de frustração.

- É por isso que estou ligando. Vamos ter que adiar nossa viagem.

Susan acordou totalmente, como se tivesse levado um soco.

- O quê?

- Mil desculpas. Vou ter que viajar, mas volto amanhã. Podemos partir para as montanhas bem cedo e ainda teremos dois dias.

- Mas já fiz as reservas - disse Susan, contrariada. - Consegui nosso quarto predileto no Stone Manor.

    - Eu sei, mas é que...

    - Essa é uma data especial, íamos comemorar nossos seis meses. Você ainda lembra que estamos noivos, não é?

    - Susan, não posso explicar os detalhes agora - ele suspirou. - Eles mandaram um carro que está me esperando lá fora. Ligo do avião e explico tudo depois.

    - Avião? - perguntou, espantada. - o que está acontecendo? Por que a sua universidade... ?

- Não é a universidade. Ligo depois e explico. Preciso ir agora, estão me chamando. Entro em contato assim que puder, prometo.

- David! - ela gritou. - a que está...

Ele já havia desligado.

Susan Fletcher ficou acordada durante horas, esperando que ele ligasse, mas o telefone não tocou.


 

Mais tarde, naquela mesma manhã, Susan sentia-se abandonada. Resolveu tomar um banho. Entrou na banheira e afundou a cabeça na água, tentando esquecer o Stone Manor e as Smoky Mountains. Onde será que ele está? Por que não ligou ainda?

Aos poucos, a água quente foi ficando morna, depois fria, e ela estava se preparando para sair do banho quando o telefone deu sinal de vida. Levantou-se com pressa, espalhando água pelo chão enquanto agarrava o aparelho que havia deixado sobre a pia.

- David?

- Não, é Strathmore - respondeu a voz do outro lado.

Susan desmoronou.

- Ah... - Foi incapaz de esconder seu desapontamento. - Boa tarde, comandante.

- Você estava esperando alguém mais jovem, talvez? - ele respondeu, brincando.

- Não, senhor - disse Susan, desconcertada. - Não foi o que eu...

- Claro que sim! - ele disse, rindo. - David Becker é um bom sujeito. Não o deixe escapar.

- Obrigada, senhor.

O comandante mudou de tom e falou com uma voz grave:

- Susan, estou ligando porque preciso de você aqui. Imediatamente.

Ela tentou se concentrar.

- É sábado, senhor. Em geral nós não...

- Eu sei - ele disse calmamente. - Mas é uma emergência.

Susan sentou-se. Emergência? Era a primeira vez que ouvia o comandante Strathmore dizer isso. Uma emergência? No Departamento de Criptografia? Não conseguia imaginar o que poderia ser.

- S-sim, senhor. - Fez uma pausa. - Vou chegar aí o mais rápido possível..

- Não demore - disse Strathmore e desligou.

De pé, enrolada na toalha, Susan ficou olhando as gotas de água caírem sobre as roupas que havia cuidadosamente separado na noite anterior - shorts para usar em caminhadas, um suéter para as tardes frias da montanha e a nova lingerie que comprara para as noites tórridas. Deprimida, foi até o armário pegar uma blusa e uma saia. Uma emergência?

Enquanto descia as escadas, ela pensava no que mais poderia dar errado naquele dia.

Em breve iria descobrir.


 

CAPÍTULO

2


 

Trinta mil pés acima das águas plácidas do oceano, David Becker fixava o olhar, abatido, através da pequena janela oval do Learjet 60. O telefone de bordo não estava funcionando, e ele não pôde ligar para Susan.

O que estou fazendo aqui?, resmungou para si mesmo. A resposta era simples: há pessoas para as quais não se diz "não".

    - Sr. Becker - disse uma voz pelo alto-falante -, chegaremos dentro de meia hora.

Becker balançou a cabeça melancolicamente ao ouvir a voz invisível. Excelente. Fechou a proteção da janela e tentou dormir. Mas só conseguia pensar em Susan.


 

CAPÍTULO

3


 

Susan parou seu Volvo logo abaixo da cerca de arame farpado de três metros de altura. Um jovem guarda apoiou as mãos no teto do carro.

- Sua identificação, por favor.

Susan lhe entregou o documento e olhou para o infinito, enquanto esperava o guarda passar seu cartão por um leitor computadorizado.

- Obrigado, senhorita Fletcher. - O guarda fez um sinal discreto, e o portão se abriu.


 

Quinhentos metros à frente, Susan repetiu o procedimento diante de outra cerca de arame farpado igualmente imponente. Vamos, lá rapazes... Esta é só a milionésima vez que venho aqui.

Ao se aproximar da última guarita, um sentinela musculoso, segurando dois cães de guarda e uma metralhadora, olhou para sua placa e fez sinal para que prosseguisse. Ela seguiu a Canine Road por mais alguns metros, depois estacionou na área C, reservada para funcionários. Inacreditável, pensou. Eles têm 26 mil empregados e um orçamento de 12 bilhões de dólares - será que não conseguem passar um fim de semana sem mim? Susan estacionou o carro na vaga e desligou o motor, contrariada.

Atravessou os impecáveis jardins, entrou no prédio, passou por mais duas verificações de segurança e finalmente chegou ao túnel sem janelas que levava à nova ala. Uma cabine com um sistema de reconhecimento de voz bloqueava sua passagem.


 

NATIONAL SECURITY AGENCY (NSA)

DEPARTAMENTO DE CRIPTOGRAFIA

SOMENTE PESSOAL AUTORIZADO


 

O guarda armado olhou para ela.

- Boa tarde, senhorita Fletcher.

Susan sorriu, cansada.

- Oi, John.

- Não esperava vê-la aqui hoje.

- É, nem eu. - Ela se aproximou do microfone parabólico e disse, em voz clara: "Susan Fletcher." O computador reconheceu o espectro de freqüências de sua voz e o portão se abriu. Ela entrou.

O guarda observou Susan enquanto ela ia andando pelo corredor. Notou que seus vibrantes olhos castanhos pareciam meio distantes, mas seu rosto exibia um certo frescor, e os cabelos castanhos, na altura do ombro, ainda estavam úmidos. Ela deixava atrás de si um suave perfume de talco para bebês. O sentinela percorreu com os olhos suas costas bem torneadas, observando a blusa branca com a marca do sutiã quase invisível por baixo. Desceu o olhar pela saia até chegar às pernas - as famosas pernas de Susan Fletcher.

Difícil imaginar que elas sustentam um QI de 170, ele pensou.

Ficou olhando para ela por um bom tempo, até que sua silhueta sumiu ao longe.


 

Quando Susan chegou ao final do túnel, uma porta circular, parecida com a de um cofre, bloqueava sua passagem. Havia uma placa com letras grandes que dizia: CRIPTOGRAFIA.

Com um suspiro resignado, colocou a mão sobre o teclado numérico embutido na parede e digitou seu código pessoal de cinco dígitos. Alguns segundos depois, a porta de 12 toneladas de aço começou a girar. Susan tentava se concentrar, mas seus pensamentos acabavam voltando para ele.

David Becker. O único homem que havia amado em toda a sua vida. O mais jovem professor titular da Universidade de Georgetown, brilhante especialista em línguas estrangeiras e praticamente uma celebridade no mundo acadêmico. Dotado de uma memória prodigiosa e profundo amante das línguas, dominava seis dialetos da Ásia, assim como espanhol, francês e italiano. Suas palestras na universidade sobre etimologia e lingüística eram concorridíssimas, e ele geralmente se estendia muito além do horário para poder responder à enxurrada de perguntas da platéia. Falava com autoridade e entusiasmo, aparentando indiferença em relação aos olhares de admiração das suas alunas, fascinadas com um professor famoso.

Becker era um homem de 35 anos, moreno e forte, cheio de vitalidade. Tinha olhos verdes e uma inteligência à altura de seu porte. Seu queixo quadrado e feições bem marcadas faziam com que Susan se lembrasse de uma estátua de mármore. Com mais de um metro e oitenta de altura, jogava squash com uma rapidez que surpreendia seus colegas. Depois de massacrar seu oponente na quadra, ele costumava se refrescar enfiando a cabeça embaixo de um bebedouro e deixando a água escorrer pelo cabelo espesso e preto. Então, ainda pingando, em geral tomava uma vitamina de frutas com um sanduíche em companhia do adversário.

O salário que a universidade lhe pagava era modesto como o de qualquer outro professor em início de carreira. Algumas vezes, quando precisava renovar sua anuidade no clube de squash ou colocar um novo encordoamento de tripas em sua velha raquete Dunlop, conseguia algum dinheiro extra fazendo trabalhos de tradução para agências do governo em Washington ou nos arredores. Foi num desses trabalhos que conheceu Susan.

Era uma manhã fresca durante as férias de outono, e Becker voltava de sua corrida matinal para o apartamento de três quartos cedido pela universidade.

Viu que havia recados na secretária eletrônica. Tomou um grande copo de suco de laranja enquanto ouvia o recado. A mensagem era parecida com muitas outras que já tinha recebido: uma agência do governo estava requisitando seus serviços de tradução naquela mesma manhã. A única coisa peculiar é que Becker nunca tinha ouvido falar dessa organização específica.

- É chamada de National Security Agency. Agência de Segurança Nacional - disse Becker, telefonando para alguns colegas em busca de informações.

A resposta era sempre a mesma:

- Você está falando do Conselho de Segurança Nacional?

Becker ouviu de novo a mensagem.

- Não. Eles disseram "agência". A sigla é NSA.

- Nunca ouvi falar.

Becker verificou a listagem oficial de agências e organizações governamentais, mas também não encontrou nada. Confuso, ligou para um de seus velhos companheiros de squash, um ex-analista político que trabalhava como assistente de pesquisa na Biblioteca do Congresso. David ficou um pouco chocado com a explicação.

Não apenas a NSA existia de fato, como era também considerada uma das organizações mais influentes do mundo. Coletava informações de inteligência de todo o planeta e protegia informações secretas norte-americanas há mais de 50 anos. Apenas 3% dos americanos tinham conhecimento de sua existência.

Seu amigo brincou com ele.

- NSA significa: Ninguém Sabe dessa Agência.

Preocupado e curioso ao mesmo tempo, Becker aceitou a oferta da agência misteriosa. Percorreu os 60 quilômetros até a central de operações da NSA, que ocupava 350 mil metros quadrados discretamente escondidos pelas verdejantes colinas de Fort Meade, em Maryland. Depois de ter passado por inúmeras verificações de segurança e ter recebido um passe de visitante com holograma, válido por seis horas, foi levado até um luxuoso laboratório onde lhe disseram que iria passar a tarde fornecendo "suporte cego" ao Departamento de Criptografia, um grupo de elite de gênios matemáticos responsáveis por decifrar todo tipo de códigos.

Durante uma hora, os criptógrafos pareciam não ter sequer notado que Becker estava presente. Iam e vinham em torno de uma enorme mesa e falavam usando termos que Becker nunca tinha ouvido antes. Falavam de cifras de fluxo, geradores autodecimados, variantes knapsack, protocolos de conhecimento zero, pontos de unicidade. Becker limitou-se a observar, completamente perdido. Rascunhavam símbolos em papel quadriculado, debruçavam-se sobre listagens de computadores e se referiam constantemente à massa ilegível de texto que estava sendo exibida no projetor.


 

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Após algum tempo, um deles aproximou-se e explicou a Becker aquilo que ele mesmo já havia deduzido. O texto todo bagunçado era um código - um texto cifrado, ou criptograma -, grupos de números e letras que representavam palavras encriptadas. O trabalho dos criptógrafos era estudar o código e extrair dali a mensagem original, ou mensagem clara. A NSA chamou Becker porque suspeitava que a mensagem tinha sido escrita no dialeto mandarim da língua chinesa. Ele deveria traduzir os símbolos assim que os criptógrafos os decifrassem.

Durante duas horas, Becker interpretou uma sucessão sem fim de símbolos em mandarim. Mas todas as vezes que fazia uma tradução, os criptógrafos sacudiam a cabeça, em completo desespero. Aparentemente, o código não fazia sentido. Tentando ajudar da melhor forma possível, Becker lhes disse que todos os caracteres traduzidos até então tinham uma particularidade: eram caracteres Kanji. No mesmo instante o burburinho que tomava conta da sala cessou. O chefe das operações, um fumante inveterado e magricela chamado Morante, virou-se para Becker, espantado:

- Você quer dizer que estes símbolos possuem múltiplos significados? Becker disse que sim. Explicou que Kanji era um sistema de escrita japonesa

baseado em caracteres chineses modificados. Até então, ele estava traduzindo-os como se fossem mandarim porque era isso que lhe tinham pedido.

- Meu Deus! - disse Morante, tossindo. - Vamos tentar o Kanji.

Como num passe de mágica, subitamente tudo fez sentido.

Os criptógrafos ficaram muito impressionados, mas, ainda assim, fizeram com que Becker trabalhasse nos caracteres fora de ordem.

- É para sua própria proteção - disse Morante. - Assim você não tem como saber o que está traduzindo.

Becker riu. Mas ninguém à sua volta estava rindo.

Quando o código finalmente foi quebrado, Becker não tinha idéia dos segredos sombrios que teria ajudado a revelar, mas uma coisa era certa: a NSA levava aquele assunto muito a sério. O cheque que lhe deram equivalia a mais de um mês de seu salário na universidade.

Quando estava saindo, passando pelos muitos postos de segurança ao longo do corredor principal, sua passagem foi bloqueada por um guarda que acabara de desligar o telefone.

- Sr. Becker, aguarde aqui, por favor.

- Algum problema? - Becker não esperava que o trabalho demorasse tanto e estava começando a se atrasar para sua partida de squash dos sábados à tarde.

    - A chefe da Criptografia quer falar com você. Ela está vindo para cá – disse o guarda.

- Ela? - Becker riu. Não tinha visto nenhuma mulher desde que pisara na NSA. - Há algo de errado nisso? - disse uma voz feminina atrás dele.

Becker virou-se e sentiu o rosto corar. Olhou para o crachá na blusa da mulher. A chefe do Departamento de Criptografia da NSA não era só uma mulher, era uma linda mulher.

- Não - ele disse, atrapalhando-se com as palavras. - Eu só...

- Susan Fletcher - disse ela, sorrindo e estendendo-lhe a mão delicada. Becker cumprimentou-a.

- David Becker.

- Parabéns, Sr. Becker, soube que fez um bom trabalho hoje. Podemos conversar um pouco?

Ele hesitou.

- Na verdade, estou com um pouco de pressa. - Ficou pensando se era realmente sensato não dar atenção à agência de inteligência mais poderosa do mundo, mas sua partida de squash iria começar em pouco menos de uma hora e ele tinha uma reputação a manter: David Becker jamais se atrasava para o squash... Para as aulas, talvez, mas nunca para o squash.

- Serei breve - disse Susan Fletcher, sorridente. - Por aqui, por favor.

Dez minutos depois, Becker estava na cantina da NSA, comendo salgadinhos e tomando um suco de frutas com a adorável chefe da Criptografia. David percebeu rapidamente que aquela moça de 38 anos não estava ocupando um alto cargo na NSA por mero acaso: era uma das mulheres mais inteligentes que já havia encontrado. Enquanto conversavam sobre códigos e como decifrá-los, Becker teve que se esforçar para não se perder na conversa, o que era uma experiência nova e estimulante para ele.


 

Um hora depois, quando Becker já tinha deixado de lado sua partida de squash, e Susan, por sua vez, havia ignorado completamente três chamadas pelo sistema interno de comunicação, ambos estavam achando tudo aquilo muito engraçado. Lá estavam eles, duas mentes altamente racionais e analíticas, supostamente imunes a paixões súbitas, mas, enquanto discutiam morfologia, lingüística e geradores de números pseudo-aleatórios, sentiam-se como um casal de adolescentes, como se houvesse fogos estourando a seu redor.

Naquele dia, Susan não chegou a tocar no assunto pelo qual havia originalmente chamado David para aquela conversa: queria convidá-lo para trabalhar, durante um período de teste, na Divisão de Criptografia Asiática. Mas o jovem professor falava com tanta paixão de suas aulas que Susan percebeu que ele nunca deixaria a universidade. E não quis estragar o clima com assuntos de negócios. Sentia-se novamente como uma adolescente e não queria que nada atrapalhasse isso. E assim foi.

A fase inicial do relacionamento foi lenta e romântica: momentos roubados sempre que as agendas de ambos permitiam, longos passeios pelo campus da Universidade de Georgetown, um café já tarde da noite no Merlutti, algumas palestras e concertos. Susan percebeu que nunca tinha rido tanto em sua vida. David conseguia fazer com que todas as coisas parecessem engraçadas. Era uma boa forma de relaxar da tensão do trabalho na NSA.

Ela adorava se lembrar de uma tarde fresca de outono em que os dois ficaram assistindo a uma partida de futebol e falando bobagem.

- Qual é mesmo o esporte que você disse que pratica? - perguntou Susan, zombeteira. - Splash? É na água?

Becker olhou torto para ela:

- Chama-se squash.

Ela lançou um olhar vago, como se não houvesse entendido.

- É parecido com tênis, mas a quadra é menor - ele continuou.

Susan encostou o ombro no dele, carinhosamente.

- E você? - perguntou Becker. - Pratica algum esporte?

- Sou faixa-preta em spinning.

Becker fez cara de total desprezo.

- Prefiro esportes onde se possa vencer.

Susan sorriu.

- Conheço alguém que é competitivo...

Susan chegou mais perto de Becker e sussurrou no ouvido dele:

- Doutor.

Ele virou-se e olhou para ela, sem entender.

- Doutor - ela repetiu. - Me diga a primeira coisa que lhe vier à cabeça. Becker continuava olhando, meio desconfiado.

- Livre associação?

- Procedimento-padrão da NSA. Preciso saber com quem estou andando...

- Ela olhou para ele muito seriamente e repetiu:

- Doutor.

Becker deu de ombros.

- Seuss, o dos livros infantis.

Susan olhou de volta com um sorriso torto.

- Tá bom, vamos tentar outra: cozinha.

Ele não hesitou:

- Quarto.

Susan levantou as sobrancelhas.

- Mais uma... gato.

- Tripas.

- Tripas?

- É. Tripas... Mais especificamente, tripa de gato. É o encordoamento de

raquetes de squash usado por todos os campeões.

- Que simpático - ela resmungou.

- Seu diagnóstico? - perguntou Becker.

Susan refletiu e disse:

- Você é infantil, viciado em squash e sexualmente frustrado.

Becker deu de ombros.

- Acho que é mais ou menos isso.

As coisas continuaram assim durante várias semanas. Becker lhe fazia milhares de perguntas quando se encontravam para jantar em restaurantes que funcionavam durante 24 horas. Onde ela tinha aprendido matemática? Como foi parar na NSA? Como tinha se tornado tão atraente?

Diante da última pergunta, Susan corou e admitiu que tinha custado a desabrochar. Fora uma adolescente magrela e esquisitona, com aparelho nos dentes. Contou que uma de suas tias lhe dissera uma vez que Deus tinha compensado sua total falta de graça com um cérebro privilegiado. Becker pensou que aquela tinha sido uma declaração muito prematura.


 

Susan explicou que seu interesse em criptografia começou no início do ensino médio. Um de seus amigos viciados em informática, um grandalhão chamado Frank Gutmann, digitou para ela uma poesia de amor e encriptou-a usando uma cifra de substituição numérica. Susan implorou-lhe que contasse o que estava escrito, mas Frank., sedutor, se recusara a falar. Susan levou o código para casa e passou a noite trancada no quarto até descobrir o segredo - cada número representava uma letra. Ela o decifrou cuidadosamente e ficou olhando, maravilhada, quando aqueles dígitos aparentemente aleatórios se transformaram magicamente em uma poesia. Naquele instante soube que estava apaixonada: códigos e criptografia iriam se tomar o centro de sua vida.

Quase 20 anos mais tarde, depois de completar seu mestrado em Matemática pela Johns Hopkins e de obter uma bolsa integral para estudar Teoria dos Números no MIT, ela defendeu sua tese de doutorado: Métodos, Protocolos e AIgoritmos Criptográficos para Aplicações Manuais. Aparentemente, seu orientador não foi o único a ler a tese: pouco tempo depois, ela recebeu um telefonema e uma passagem de avião da NSA.

Todos os que trabalhavam com criptografia conheciam a NSA. Era lá que estavam os maiores cérebros do planeta nessa área. No final de cada semestre, enquanto as empresas do setor privado cortejavam os alunos mais brilhantes recém-chegados ao mercado de trabalho, oferecendo-lhes salários ultrajantes e vários benefícios adicionais, a NSA observava cuidadosamente, selecionava seus alvos e então entrava em cena, oferecendo o dobro. O que a NSA queria, a NSA pegava. Trêmula com a expectativa, Susan pegou o vôo até o Aeroporto Internacional de Dulles, em Washington, onde um motorista da NSA estava à sua espera, pronto para levá-la a Fort Meade.

Havia outros 41 candidatos que tinham recebido o mesmo telefonema naquela vez. Com 28 anos, Susan era a mais jovem. Era também a única mulher. A visita acabou sendo mais uma sessão de relações públicas com uma bateria de testes de inteligência do que propriamente uma apresentação formal da NSA.

Na semana seguinte, Susan e seis outros foram convidados a retornar. Apesar de indecisa, ela acabou voltando. O grupo foi imediatamente separado. Os participantes foram submetidos individualmente a testes no polígrafo, investigações sobre seus antecedentes, análise de caligrafia e muitas horas de entrevistas, inclusive a respeito de suas orientações e práticas sexuais. Quando o entrevistador perguntou a Susan se já tinha praticado sexo com animais, ela quase se retirou, mas, de alguma forma, todo o mistério envolvido fez com que continuasse. Havia a perspectiva de trabalhar com o que existia de mais avançado dentro da teoria de códigos, entrar no "Palácio dos Quebra-Cabeças" e tornar-se membro de um dos mais secretos grupos do planeta: a Agência de Segurança Nacional.

Becker ouvia, fascinado, suas histórias.

- Então realmente perguntaram se você já tinha feito sexo com animais?

Susan deu de ombros:

- Faz parte da rotina de testes.

- Bem... - Becker tentou suprimir um sorriso malicioso. - O que você respondeu?

Ela chutou-o por baixo da mesa.

- Disse que não! - E acrescentou: - Até a noite passada, era verdade.

Aos olhos de Susan, David era a encarnação da perfeição. Só tinha uma qualidade lamentável: toda vez que saíam, ele insistia em pagar a conta. Ela odiava vê-lo gastar o dinheiro de um dia inteiro de trabalho para pagar um jantar a dois, mas Becker não cedia. Susan acabou desistindo de protestar, mas ainda assim isso a incomodava. Ganho mais dinheiro do que preciso, pensava ela. Era eu quem deveria estar pagando.

Ela decidiu que, apesar desse cavalheirismo um pouco exagerado e deslocado, David era o homem ideal. Sabia ser solícito, cuidadoso, interessante, engraçado e, o que era melhor, interessava-se de fato pelo trabalho dela. Durante as idas ao Smithsonian, os passeios de bicicleta ou enquanto deixavam o macarrão passar do ponto na cozinha de Susan, ele estava sempre curioso. Susan respondia a todas as perguntas que podia e lhe fornecia a visão geral e pública da Agência de Segurança Nacional. David ficava fascinado com aquilo que ouvia.

Fundada pelo presidente Truman no primeiro minuto do dia 4 de novembro de 1952, a NSA foi a agência de inteligência mais clandestina do mundo durante quase 50 anos. A doutrina de sua fundação, descrita em sete páginas, especificava um objetivo muito bem definido: proteger as comunicações do governo dos Estados Unidos e interceptar as comunicações de forças estrangeiras.

O teto do principal prédio de operações da NSA estava repleto com quase 500 antenas, incluindo dois grandes domos de captação de radiofreqüências, semelhantes a grandes bolas de golfe. O prédio em si era gigantesco - mais de 185 mil metros quadrados, o dobro do tamanho do centro de operações da CIA. Dentro do prédio havia quase 2.500 quilômetros de cabos telefônicos e 7.500 metros quadrados de janelas vedadas.


 

Susan contou a David sobre o COMINT (Communications Intelligence), a divisão global de reconhecimento da agência - uma rede admirável de postos de escuta, satélites, espiões e grampos telefônicos ao redor do planeta. Milhares de comunicados e conversas eram interceptados diariamente e enviados para que os analistas da NSA os decodificassem. O FBI, a CIA e os consultores de política externa dos EUA, todos dependiam do trabalho de inteligência feito pela NSA para tomarem suas decisões.

Becker ficava hipnotizado pela conversa.

- E quanto ao trabalho de decriptação, onde é que você se encaixa nisso tudo?

Susan explicou-lhe como as transmissões interceptadas muitas vezes vinham de governos potencialmente perigosos, facções hostis e grupos terroristas, muitos dos quais operavam dentro dos EUA. Suas comunicações em geral eram codificadas para impedir a quebra de sigilo, caso caíssem em mãos erradas. É claro que, graças ao COMINT, isso acontecia freqüentemente. Susan contou que seu trabalho era estudar os códigos, quebrá-los manualmente e fornecer à NSA as mensagens decodificadas. Contudo, essa não era toda a verdade.

Susan sentia-se mal por ter que mentir ao seu novo amor, mas não tinha escolha. Até poucos anos antes, isso seria verdade, mas as coisas haviam mudado na NSA. Todo o universo da criptografia tinha mudado. O novo trabalho de Susan era secreto, até mesmo para muitos dos que se encontravam nos altos escalões do poder.

    - Códigos - disse Becker. - Como você sabe por onde começar? Quero dizer... como você os quebra?

    Susan sorriu.

    - Você, mais que ninguém, deveria saber. É como estudar uma língua estrangeira. No início, o texto parece incompreensível, mas aos poucos você aprende as regras que definem sua estrutura e começa a extrair o sentido.

    Becker concordou, encantado. Queria saber mais.

    Rabiscando suas lições em guardanapos e programas de concertos,

Susan lançou-se à tarefa de dar a seu novo e charmoso aluno um mini-curso de criptografia. Ela começou com a caixa de cifras, o "quadrado perfeito" de Júlio César.

- Historicamente - ela explicou - César foi o primeiro a usar códigos escritos. Como seus mensageiros eram algumas vezes capturados em emboscadas e seus comunicados secretos podiam ser roubados, ele criou uma forma rudimentar de codificar suas ordens. Reorganizou o texto de suas mensagens de uma maneira que o texto parecia não ter sentido. Obviamente isso não era verdade. Cada mensagem sempre possuía uma contagem de letras cujo total equivalia a um quadrado perfeito, dependendo de quanto César tivesse que escrever. Assim, uma mensagem com 16 caracteres usava um quadrado de quatro por quatro; se fossem 25 caracteres, seria cinco por cinco; 100 caracteres requeriam um quadrado de dez por dez, etc. Seus oficiais sabiam que deviam transcrever o texto preenchendo as casas do quadrado sempre que uma mensagem aleatória chegasse. Ao fazerem isso, podiam ler a mensagem na vertical e seu sentido se tornaria claro.

Ao longo do tempo, a idéia de César de reorganizar o texto para codificá-lo foi sendo adotada por outros e alterada para que o código se tornasse mais difícil de ser quebrado. O ápice da codificação sem uso de computadores foi durante a Segunda Guerra Mundial. Os nazistas criaram uma impressionante máquina de criptografia chamada Enigma. O dispositivo mecânico se parecia com uma antiga máquina de escrever. Possuía engrenagens rotatórias de metal que se encaixavam de formas complexas e transformavam uma mensagem clara em cadeias confusas de caracteres, agrupados de maneira incompreensível. Apenas através de outra máquina Enigma,' calibrada exatamente da mesma forma, o destinatário poderia quebrar o código.

Becker ouvia, compenetrado. O professor havia se tornado um aprendiz.

Uma noite, durante uma apresentação do Quebra-nozes na universidade, Susan escreveu para Becker sua primeira mensagem encriptada, usando um código básico. Ele ficou sentado durante todo o intervalo refletindo sobre a mensagem de 20 letras:


 

ENH ANL SDQ SD BNMGDBHCN


 

Finalmente, pouco antes de as luzes se apagarem para a segunda parte, ele compreendeu. Para codificar a mensagem, Susan havia simplesmente substituído cada letra do texto pela letra anterior do alfabeto. Para decifrar o código, tudo que Becker tinha a fazer era trocar cada uma das letras pela seguinte: A virava B, B virava C e assim por diante. Ele rapidamente fez isso com as outras letras. Nunca imaginou que cinco breves palavras pudessem deixá-lo tão feliz:


 

FOI BOM TER TE CONHECIDO


 

Ele rabiscou rapidamente sua resposta e deu o papel para Susan:


 

SZLADL ZBGDH


 

Susan leu e corou.

Becker riu. Tinha 35 anos e seu coração batia loucamente. Nunca havia se sentido tão atraído por uma mulher em toda a sua vida. Susan tinha feições delicadas e olhos castanhos brilhantes. Era um tipo de beleza européia, clássica, que lhe lembrava os belos anúncios de cosméticos da Estée Lauder. Talvez ela tivesse sido magrela e esquisitona quando adolescente, mas certamente havia mudado muito. Ao longo dos anos, ganhou belas e graciosas curvas, um corpo torneado, com peitos firmes e um abdômen perfeito. David muitas vezes brincava com ela, dizendo que era a primeira modelo que ele conhecera que tinha doutorado em Matemática Aplicada. Conforme os meses se passaram, os dois começaram a suspeitar que aquela poderia ser uma relação para toda a vida.

Já estavam saindo há uns dois anos quando, do nada, David lhe propôs casamento. Foi durante uma viagem de fim de semana para as Smoky Mountains. Estavam deitados em uma grande e confortável cama no Stone Manor. Ele sequer tinha comprado um anel - apenas disse o que tinha em mente, do nada. Essa espontaneidade era uma das características que ela admirava. Beijou-o longa e amorosamente. Ele tomou-a em seus braços e tirou a camisola dela com um gesto suave.

- Vou considerar isso como um sim - disse ele.

Fizeram amor durante toda a noite ao lado da lareira.

Passaram-se três meses desde aquela tarde mágica. Fora antes da inesperada promoção de David a diretor do Departamento de Línguas Modernas. Desde então, o relacionamento dos dois se tomou cada vez pior.


 

CAPÍTULO

4


 

A porta da Criptografia emitiu um bipe, tirando Susan de seus devaneios. A maciça porta giratória estava aberta e iria se fechar de novo em cinco segundos, completando uma rotação de 180 graus. Susan deixou de lado seus pensamentos. Um computador registrou automaticamente sua entrada.

Apesar de ter praticamente morado na Criptografia desde que fora inaugurada, havia três anos, a visão da sala ainda a impressionava. A parte principal era uma câmara circular com a altura de cinco andares. O ponto mais alto do domo transparente que lhe servia de teto ficava a 35 metros de altura do chão. A cúpula de plexiglas fora revestida com uma rede de policarbonatos, capaz de resistir a uma explosão de dois megatons. A tela filtrava a luz do sol, tecendo delicados padrões de luz nas paredes. Pequenas partículas de poeira descreviam largas espirais para cima, capturadas pelo poderoso sistema de desionização do domo.

As laterais inclinadas da sala formavam um amplo arco na parte superior e ficavam quase verticais conforme se aproximavam do nível de visão. Tornavam-se então sutilmente translúcidas e esmaeciam até atingir um preto opaco quando se encontravam com o chão - uma ampla área cintilante de cerâmica preta polida, que emanava um brilho surreal, causando no observador a estranha sensação de que o chão era transparente. Gelo negro.

No centro da câmara, atravessando o chão como a ponta de um enorme torpedo, encontrava-se a máquina para a qual o domo havia sido construído. Seus reluzentes contornos negros arqueavam-se quase dez metros acima, para depois mergulhar novamente no chão. Curvada e lisa, parecia uma gigantesca baleia assassina que houvesse sido congelada no meio de um salto em um mar frígido.

Esse era o TRANSLTR, o mais caro computador do planeta, único em seu gênero. Uma máquina que o NSA jurava não existir.

Como um iceberg, 90% de sua massa e poder computacional se ocultavam sob a superfície. Seus segredos estavam trancados em um silo de cerâmica que ocupava os seis andares abaixo. Assemelhava-se a uma cápsula de foguete, circundada por uma trama de plataformas, cabos e válvulas de exaustão do sistema de resfriamento a gás fréon. Os geradores de energia na parte mais baixa emitiam um zumbido grave e contínuo que dava à Criptografia uma sonoridade abafada, quase fantasmagórica.

O TRANSLTR, como todos os grandes avanços tecnológicos, era produto da necessidade. Durante os anos 1980, a NSA presenciou uma revolução nas telecomunicações que mudaria o mundo da espionagem para sempre: o acesso público à Internet. Mais especificamente, a chegada do e-mail.

Criminosos, terroristas e espiões, fartos de ter que lidar com linhas telefônicas grampeadas, voltaram-se imediatamente para essa nova forma de comunicação global. O e-mail combinava a segurança do correio convencional com a velocidade do telefone. Como as transferências eram feitas através de cabos de fibra óptica e nunca transmitidas por ondas de rádio, era impossível interceptar e-mails - ou, ao menos, era o que parecia.    

Na verdade, interceptar e-mails enquanto eles viajavam pela Internet era trivial para os tecno-gurus do NSA. A Internet não era uma nova revelação originada dos computadores pessoais, como muitos acreditavam. Havia sido criada pelo Departamento de Defesa dos EUA três décadas antes - uma gigantesca rede de computadores projetada para assegurar as comunicações do governo em caso de uma guerra nuclear. Os olhos e ouvidos da NSA eram profissionais veteranos da Internet. Aqueles que estavam conduzindo negócios ilícitos através de e-mails rapidamente descobriram que seus segredos não eram tão secretos assim. Órgãos do governo americano, como o FBI, a DEA (Drug Enforcement Administration) e outros, auxiliados pela hábil equipe de hackers da NSA, tiraram proveito disso para realizar uma leva de prisões e condenações muito útil.

É claro que, tão logo os usuários de computadores ao redor do mundo descobriram que o governo americano tinha livre acesso a suas comunicações por e-mail, houve uma onda de protestos. Até mesmo amigos que usavam e-mail apenas para correspondências pessoais acharam a falta de privacidade perturbadora. Por todo o planeta, programadores independentes se lançaram à tarefa de tornar os e-mails mais seguros. Rapidamente encontraram uma forma de fazê-lo, e foi assim que nasceu a codificação por chave pública.

A codificação por chave pública era um conceito ao mesmo tempo simples e brilhante. Consistia no uso de um programa simples, para computadores pessoais, que alterava as mensagens de e-mail de tal forma que estas se tornavam impossíveis de ler. Os usuários passaram a poder escrever suas mensagens e codificá-las usando um programa desse tipo. O texto resultante parecia um bloco de caracteres aleatórios e sem sentido: um código. Qualquer um que interceptasse a mensagem iria ver apenas lixo em sua tela.

A única maneira de decifrar o código era digitar a senha do remetente - uma série secreta de caracteres que funcionava basicamente como a senha de um cartão de crédito. Geralmente, as senhas eram longas e complexas e transportavam as informações para transmitir ao algo ritmo de decodificação as operações matemáticas necessárias para recriar a mensagem original.

Os usuários desses programas voltaram a poder, então, enviar e-mails com total confiança. Mesmo se a transmissão fosse interceptada, apenas aqueles que tivessem a chave poderiam decifrá-la.

A NSA sentiu o peso dessa nova forma de criptografia imediatamente. Os códigos com os quais se deparava não eram mais simples cifras de substituição que podiam ser decifradas com lápis e papel quadriculado. Eram agora funções de hash geradas por computadores que usavam a teoria do caos e múltiplos conjuntos de símbolos para codificar as mensagens de forma que parecessem absolutamente aleatórias.

No início, as chaves geradas eram pequenas o suficiente para que os computadores da NSA fossem capazes de decifrá-las. Se a chave desejada tivesse dez dígitos, um computador era programado para testar todas as possibilidades entre 0000000000 e 9999999999. Mais cedo ou mais tarde, o computador iria encontrar a seqüência correta. Esse método de tentativa e erro era conhecido como "ataque de força bruta". Era demorado, mas também matematicamente garantido que iria funcionar.

A medida que o mundo foi compreendendo o poder da abordagem por força bruta para a quebra de códigos, as chaves foram se tornando cada vez maiores. O tempo necessário para que os computadores descobrissem a chave correta passou de semanas para meses e, finalmente, para anos.

Na década de 1990, as chaves já tinham mais de 50 caracteres e empregavam todos os 256 caracteres do código ASCII usado pelos computadores pessoais letras, números e símbolos. O número de possíveis combinações para uma chave era próximo de 10120 - ou seja, 1 com 120 zeros depois. Adivinhar uma chave de tamanha complexidade era mais ou menos tão improvável quanto escolher o grão de areia correto em uma praia de cinco quilômetros. Estimavase que, para obter sucesso na descoberta de uma chave-padrão de 64 bits usando um ataque de força bruta, o supercomputador mais poderoso da NSA levaria 19 anos. Quando o computador finalmente conseguisse encontrar a chave e quebrar o código, o conteúdo da mensagem certamente já seria irrelevante.

Paralisada em um vazio virtual de inteligência, a NSA traçou uma diretriz ultra-secreta que foi endossada pelo presidente dos Estados Unidos. Munida de financiamento governamental e com carta-branca para fazer o que fosse preciso para resolver o problema, a NSA decidiu construir algo considerado impossível: a primeira máquina do planeta capaz de decifrar qualquer código.

Apesar de muitos engenheiros considerarem a proposta de criação do novo computador inviável, a NSA persistia em seu lema: "Tudo é possível. O impossível apenas demora mais."

Cinco anos, 500 mil homens-horas e 1,9 bilhão de dólares depois, a NSA provou mais uma vez do que era capaz. O último dos três milhões de microprocessadores, cada um do tamanho de um selo postal, foi soldado em seu lugar, a programação interna do computador foi finalizada e o revestimento de cerâmica, fechado. O TRANSLTR havia nascido.

Ainda que os segredos do funcionamento interno do TRANSLTR fosse produto de muitas mentes e não houvesse um único indivíduo que compreendesse todos esses segredos simultaneamente, seu princípio básico era simples: muitas mãos tornam o trabalho mais leve.

Seus três milhões de processadores iriam trabalhar em paralelo, executando cálculos a uma velocidade impressionante, experimentando cada uma das permutações possíveis no processo. A esperança era de que mesmo códigos que possuíssem chaves fabulosamente grandes não estariam a salvo da tenacidade do TRANSLTR. Essa obra-prima de quase dois bilhões de dólares usaria o poder do processamento paralelo, assim como alguns avanços altamente secretos em análise de mensagens claras, para descobrir chaves e códigos de quebra. Seu poder viria não apenas do número colossal de processadores, mas também dos avanços obtidos em computação quântica, uma tecnologia em desenvolvimento que permitia que a informação fosse armazenada como estados quânticos em nível atômico, em vez de meros dados binários.

O momento da verdade veio em uma manhã tempestuosa de outubro. O primeiro teste real. Apesar das dúvidas quanto à velocidade final da máquina, os engenheiros concordavam quanto a uma coisa: se todos os processadores funcionassem em paralelo corretamente, o TRANSLTR seria um computador poderoso. A questão era saber o quão poderoso ele seria.

A resposta chegou 12 minutos mais tarde. Em silêncio, admirados, os poucos privilegiados que estavam presentes observaram quando o computador

mostrou o resultado: a mensagem clara, o código decifrado. O TRANSLTR havia descoberto uma chave de 64 caracteres em pouco mais de 10 minutos, cerca de um milhão de vezes mais rápido do que as duas décadas que o segundo computador mais veloz da NSA teria levado.

Conduzido pelo vice-diretor de operações, comandante Trevor J. Strathmore, o Departamento de Produção da NSA havia triunfado. O TRANSLTR era um sucesso e, para manter esse sucesso absolutamente secreto, o comandante Strathmore deixou vazar prontamente informações de que o projeto havia sido um fracasso total. Todas as atividades na Criptografia eram, supostamente, uma tentativa de salvar o fiasco de dois bilhões de dólares. Apenas a elite da NSA conhecia a verdade: o TRANSLTR estava funcionando a pleno vapor, quebrando centenas de códigos todos os dias.

Com a divulgação de que nem mesmo a todo-poderosa NSA era capaz de decodificar as mensagens encriptadas pelos computadores, os segredos começaram a ser revelados. Chefões do mundo das drogas, terroristas e criminosos em geral, preocupados com a possibilidade de interceptação de suas transmissões por celular, voltaram-se para o fantástico mundo dos e-mails codificados a fim de se comunicarem instantaneamente através do planeta. Nunca mais teriam que encarar um júri no tribunal e ouvir suas vozes saindo de uma fita, prova de alguma ligação por celular há muito esquecida, mas captada por um dos satélites da NSA.

O trabalho de inteligência nunca foi tão fácil. Os códigos interceptados pela NSA entravam no TRANSLTR como cifras absolutamente ilegíveis e saíam, minutos depois, como mensagens perfeitamente claras. Não havia mais segredos.

Para tornar o mistério em torno de sua incompetência completo, a NSA mantinha um forte lobby contra qualquer novo programa de computador para encriptação de dados, insistindo que isso atrapalharia seu trabalho e tornaria impossível que os agentes da lei perseguissem e prendessem os criminosos. Os grupos de direitos civis ficaram felizes, defendendo que, de qualquer forma, a NSA não deveria estar lendo os e-mails das pessoas. Programas de encriptação continuavam a ser criados e vendidos. A NSA havia perdido a batalha, exatamente como havia sido planejado. Toda a comunidade eletrônica mundial fora enganada... Ao menos, era o que parecia.


 

CAPÍTULO

5


 

Onde estão todos?, pensou Susan, enquanto atravessava a sala deserta da Criptografia. Que grande emergência essa...

Apesar de muitos departamentos da NSA funcionarem durante os sete dias da semana, a Criptografia normalmente ficava vazia aos sábados. Os matemáticos que trabalhavam nesse ramo eram, por natureza, viciados em trabalho e bastante tensos, e existia uma regra informal de que nunca trabalhariam aos sábados, exceto em casos de emergência. Especialistas em quebrar códigos eram um recurso valioso demais para que a NSA se arriscasse a perdê-los por conta da estafa.

Susan atravessou a sala, tendo à sua direita a imponente figura do TRANSLTR. O ruído difuso dos geradores seis andares abaixo parecia estranhamente ameaçador naquele dia. Susan não gostava de ficar na Criptografia fora do horário de trabalho. Era como estar trancada em uma cela com uma gigantesca besta futurística. Ela apressou o passo, dirigindo-se ao escritório do comandante lá no fundo.

A sala de Strathmore era toda de vidro e tinha recebido o apelido de "aquário" devido à sua aparência quando as cortinas estavam abertas. Ficava acima do salão principal, ligada por um conjunto de escadarias e passarelas. Enquanto subia os degraus, Susan olhou para cima, na direção da porta de carvalho maciço do escritório de Strathmore. Podia ver o símbolo da NSA - uma águia americana, de asas invertidas, segurando ferozmente uma chave de prata. Atrás da porta estava um dos homens mais impressionantes que ela já conhecera.

O comandante Strathmore, vice-diretor de operações, tinha 56 anos e era como um pai para Susan. Foi ele quem a contratou, transformando a NSA em sua casa. Quando Susan foi trabalhar na agência, há mais de 10 anos, Strathmore era o chefe do Departamento de Desenvolvimento em Criptografia, que servia como local de treinamento para novos talentos - ou melhor, novos homens - para a criptografia. Strathmore nunca tolerou qualquer tipo de discriminação, mas era especialmente protetor em relação à única mulher em seu grupo. Quando era acusado de favoritismo, respondia com a verdade: Susan Fletcher era uma das aprendizes mais inteligentes que já tinha visto e ele não tinha a menor intenção de perdê-la por conta de assédio sexual. Um dos criptógrafos teve a má idéia de testar a resolução de Strathmore.

Em uma manhã, durante seu primeiro ano, Susan passou pela nova sala de lazer dos criptógrafos para preencher alguns formulários. Quando estava saindo, notou que havia uma foto sua no quadro de avisos. Quase desmaiou de tanta vergonha. Na foto, ela aparecia de calcinha, deitada em uma cama.

Mais tarde descobriram que um dos criptógrafos havia digitalizado uma foto de uma revista erótica e editado a imagem, colando a cabeça de Susan no corpo da modelo original. O resultado ficou bem convincente.

Infelizmente para o autor da brincadeira, Strathmore não achou a menor graça. Duas horas depois, um memorando significativo foi emitido:


 

FUNCIONÁRIO CARL AUSTIN EXPULSO POR CONDUTA INADEQUADA.


 

A partir desse dia, ninguém mais ousou mexer com ela. Susan Fletcher era a menina-dos-olhos do comandante.

Os jovens criptógrafos de Strathmore não foram os únicos que aprenderam a respeitá-lo. Logo no início da carreira, ele chamou a atenção de seus superiores ao propor diversas operações de inteligência pouco ortodoxas e altamente bem-sucedidas. À medida que foi subindo na carreira, Trevor Strathmore ficou conhecido por suas análises coesas e sucintas de situações altamente complexas. Parecia ter uma habilidade única de enxergar além das complexidades morais que sempre envolviam as difíceis decisões da NSA e depois agir sem remorsos no interesse do bem comum.

Ninguém tinha dúvidas de que Strathmore amava seu país. Era conhecido entre seus colegas como um patriota e um visionário, um homem decente em um mundo de mentiras.

Desde em que Susan começou a trabalhar na NSA, Strathmore subiu rapidamente de seu posto de chefe do Desenvolvimento em Criptografia para o posto de segundo em comando de toda a NSA. Agora havia apenas um homem hierarquicamente superior ao comandante Strathmore na agência: o diretor Leland Fontaine, o lendário senhor supremo do Palácio dos Quebra-Cabeçasnunca visto, raramente ouvido e eternamente temido. Ele e Strathmore dificilmente se encontravam, e, quando isso acontecia, era como uma batalha de titãs. Fontaine era um gigante entre os gigantes, mas Strathmore não parecia se intimidar. Argumentava com o diretor a favor de suas idéias com o mesmo fervor de um boxeador apaixonado. Nem mesmo o presidente dos Estados Unidos ousava desafiar Fontaine como Strathmore fazia. Para isso, era preciso imunidade política ou, no caso do comandante, indiferença política.


 

Susan subiu as escadas. Antes mesmo que batesse, a tranca eletrônica da porta de Strathmore soou. A porta se abriu, e o comandante fez sinal para que entrasse.

- Obrigado por ter vindo, Susan. Fico te devendo essa.

- Sem problemas. - Ela sorriu, enquanto sentava-se do outro lado da mesa. Strathmore era um homem grande, bruto, cujas feições inexpressivas ajudavam a disfarçar a eficiência obstinada e o perfeccionismo. Seus olhos acinzentados geralmente transmitiam uma impressão de confiança e circunspecção resultantes da experiência, mas naquele dia pareciam irrequietos e perturbados.

- Você parece cansado - disse Susan.

- Já estive melhor - Strathmore suspirou.

- Eu diria que sim, ela pensou.

Susan nunca tinha visto Strathmore tão mal. Seus cabelos grisalhos e ralos estavam despenteados e, mesmo com o ar-condicionado no máximo, sua testa suava. Parecia que havia dormido usando aquele terno. Estava sentado em uma mesa de design moderno, com dois teclados embutidos e um monitor de computador em um dos cantos. Havia várias listagens de computador impressas jogadas pela mesa, fazendo com que esta parecesse uma espécie de cabine de comando alienígena colocada ali no centro de sua sala acortinada.

- A semana foi difícil? - perguntou Susan.

Strathmore sacudiu os ombros e respondeu:

- O de sempre. A EFF está novamente infernizando minha vida com a questão dos direitos civis.

Susan sorriu. A EFF - Electronic Frontier Foundation - era uma entidade mundial formada por usuários de computadores que haviam criado uma poderosa organização para a manutenção dos direitos civis, destinada a apoiar a liberdade de expressão e instruir outras pessoas sobre os fatos e os perigos de se viver num mundo eletrônico. Faziam um forte lobby contra aquilo que chamavam de "capacidade orweliana de vigilância por parte das agências governamentais", em particular a NSA. A EFF era uma, eterna pedra no sapato de Strathmore.

- Nada de novo, então - disse ela. - Qual é a grande emergência que fez com que você me tirasse do banho?

Strathmore sentou-se por um instante, brincando distraidamente com a trackball embutida em sua mesa. Após uma longa pausa, olhou para Susan fixamente e disse:

- Qual foi o tempo mais longo que o TRANSLTR já levou para quebrar um código?

A pergunta pegou Susan completamente desprevenida. Parecia sem sentido.

Foi por isso que ele me chamou?

- Bem... - ela pensou um pouco. - Teve uma mensagem interceptada pelo COMINT alguns meses atrás que levou cerca de uma hora, mas a chave era absurdamente longa - algo como dez mil bits, se não me engano.

Strathmore resmungou.

- Uma hora, certo? O que você me diz dos testes de capacidade máxima que já executamos?

Susan respondeu:

- Se você incluir os diagnósticos, obviamente temos um tempo mais longo.

- Quanto tempo?

Susan não estava entendendo aonde Strathmore queria chegar com aquela conversa.

- Senhor, eu me lembro de ter executado um algo ritmo, em março deste ano, com uma chave segmentada de um milhão de bits. Usei funções de loop ilegais, autômatas celulares, tudo junto. Ainda assim o TRANSLTR conseguiu quebrá-la.

- Em quanto tempo?

- Três horas.

Strathmore se surpreendeu.

- Três horas? Levou esse tempo todo?

Susan fez uma cara feia, ligeiramente ofendida. Seu trabalho durante os últimos três anos havia sido o de aperfeiçoar o desempenho do computador mais secreto do mundo. Boa parte da programação que tornava o TRANSLTR tão rápido fora escrita por ela. Uma chave de um milhão de bits era, obviamente, uma situação pouco realista.

- Muito bem - disse Strathmore. - Então, mesmo em condições extremas, o tempo mais longo que um código já sobreviveu dentro do TRANSLTR foi de cerca de três horas?

Susan concordou. - É. Mais ou menos isso. Strathmore fez uma nova pausa, como se estivesse com medo do que tinha a dizer. Então olhou novamente para ela e disse:

- O TRANSLTR encontrou algo...

Susan esperou.

- Mais do que três horas?

Strathmore assentiu, mas ela não pareceu preocupada.

- Um novo diagnóstico? Algo que o Departamento de Segurança de Sistemas nos enviou?

- Não, é um arquivo externo.

Susan ficou esperando para ver qual era o final da piada.

- Um arquivo externo? Você está brincando, não é?

- Bem que eu queria. Eu o coloquei na fila de processamento ontem à noite, por volta das 23h30. Ainda não foi quebrado.

Susan ficou boquiaberta. Olhou para o relógio, depois para Strathmore.

- Ainda está sendo processado? Mais de 15 horas?

Strathmore inclinou-se um pouco para a frente e virou seu monitor para Susan. A tela estava toda preta, exceto por uma pequena caixa de texto amarela no meio, com números piscando.


 

TEMPO DECORRIDO: 15:09:33 AGUARDANDO CHAVE: _________

Susan olhou, impressionada. Parecia que o TRANSLTR estava tentando quebrar um único código há mais de 15 horas. Ela sabia que os processadores do computador eram capazes de verificar 30 milhões de chaves por segundo - 100 bilhões por hora. Se o TRANSLTR ainda estava calculando, significava que a chave deveria ser algo monstruoso - mais de dez bilhões de dígitos. Aquilo não fazia o menor sentido.

- É impossível! - declarou ela. - Você verificou se há algum indicador de erro? Talvez o TRANSLTR tenha ficado preso em um erro de programação e...

    - Não há nada de errado.

- Mas essa chave deve ser enorme!

- É um algoritmo comercial padrão. Meu palpite é de que a chave seja de 64 bits.

    Perplexa, Susan olhou pela janela na direção do TRANSLTR, um pouco abaixo deles. Por experiência própria, ela sabia que uma chave de 64 bits geralmente levava menos de dez minutos para ser encontrada.

- Deve haver uma explicação.

Strathmore assentiu.

- Há, sim. Mas você não vai gostar dela. Susan olhou para ele com uma sensação ruim. - O TRANSLTR está funcionando mal?

- Não há nada de errado com ele.

- Temos um vírus?

Strathmore balançou a cabeça.

- Nenhum vírus. Apenas me escute.

    Susan estava estupefata. O TRANSLTR nunca tinha encontrado um código que não pudesse quebrar em menos de uma hora. Em geral a mensagem clara era enviada ao módulo de impressão de Strathmore em poucos minutos. Ela olhou rapidamente para a impressora laser atrás de sua mesa. Estava vazia.

- Susan - disse Strathmore, em um tom de voz abafado. - Vai ser difícil aceitar isso de cara, mas ouça o que tenho a dizer. - Ele mordeu o lábio. - Esse código em que o TRANSLTR está trabalhando é único. Não é nada parecido com o que já encontramos até agora. - Strathmore fez uma pausa, como se fosse difícil completar a frase. - Esse código é inquebrável.

Susan olhou para ele e quase riu. Inquebrável? Como assim? Não fazia sentido pensar em um código inquebrável. Alguns códigos podiam requerer mais tempo, mas todo código podia ser quebrado. Era matematicamente certo que, mais cedo ou mais tarde, o TRANSLTR iria descobrir a chave certa.

- Você disse inquebrável?

- Sim, é isso mesmo - ele respondeu secamente.

Inquebrável? Susan não podia acreditar que aquilo havia sido dito por alguém com 27 anos de experiência em análise de códigos.

- Inquebrável, senhor? - disse ela, constrangida. - E o Principio de Bergofsky? Susan havia aprendido a respeito do Principio de Bergofsky logo no início de sua carreira. Era um dos fundamentos da técnica de força bruta. Havia sido também a inspiração de Strathmore ao construir o TRANSLTR. O princípio dizia claramente que, se um computador testasse um número suficiente de chaves, era matematicamente garantido que iria encontrar a correta. A segurança de um código não dependia de sua chave não poder ser encontrada, mas do fato de que a maioria das pessoas não tinha nem tempo nem equipamento suficientes para fazê-lo.

Strathmore sacudiu a cabeça.

- Esse código é diferente.

- Diferente? - Susan lançou-lhe um olhar suspeito. Um código inquebrável é uma impossibilidade matemática! Ele sabe disso!

    Strathmore enxugou com a mão sua testa suada.

    - Esse código é produto de um algo ritmo de encriptação completamente novo, que jamais encontramos antes.

As dúvidas internas de Susan aumentavam. Os algoritmos de encriptação eram apenas fórmulas matemáticas, "receitas de bolo" para misturar o texto e transformá-lo em código. Matemáticos e programadores criavam novos algoritmos todos os dias. Havia centenas deles no mercado: PGP, Diffie-Hellman, ZIP, IDEA, El Gamal. O TRANSLTR quebrava todos esses diariamente, sem problemas. Para o supercomputador, todos os códigos eram iguais, não importando qual fosse o algoritmo usado.

- Não entendo - disse ela. - Não estamos discutindo como fazer a engenharia reversa de uma função complexa, estamos falando sobre a abordagem de força bruta. PGP, Lúcifer, DSA, não importa. O algoritmo gera uma pequena chave que ele considera segura, e o TRANSLTR continua fazendo novas tentativas até encontrá-la.

    A resposta de Strathmore demonstrava a paciência e o controle de um bom professor.

    - Sim, Susan, o TRANSLTR sempre irá encontrar a chave, mesmo se for gigantesca. - Fez uma longa pausa. - A menos que...

    Ela quis falar, mas estava claro que Strathmore ia finalmente soltar a bomba.

A menos quê?

- A menos que o computador não saiba quando tiver quebrado o código. Susan quase caiu da cadeira.

- O quê?

- A menos que o computador já tenha encontrado a chave correta, mas continue tentando porque não percebeu que a encontrou. - Strathmore parecia estar profundamente cansado. - Acho que esse algo ritmo possui uma mensagem clara circular.

Susan engoliu em seco. A noção de uma função de mensagem clara circular foi enunciada, pela primeira vez, por um matemático húngaro, Josef Harne, em um obscuro artigo acadêmico de 1987. Uma vez que os computadores usando o método de força bruta quebravam códigos examinando a mensagem clara a fim de encontrar padrões identificáveis de palavras, Harne propôs um algoritmo de encriptação que, além de encriptar, deslocasse a mensagem clara de acordo com uma variável temporal. Teoricamente, a mutação contínua iria assegurar que um computador que tentasse quebrar o código jamais encontraria padrões de palavras identificáveis e, assim, nunca saberia que tinha encontrado a chave correta.

- Onde você conseguiu isso? - perguntou ela.

A resposta do comandante veio lentamente:

- Um programador do setor privado escreveu isso.

- O quê? - Susan caiu de volta na cadeira. - Temos os melhores programadores do mundo aqui! Todos nós, trabalhando em conjunto, jamais chegamos sequer perto de escrever uma função de mensagem clara circular. E agora você está me dizendo que um cara qualquer, sentado em casa com um PC, descobriu como resolver o problema?

Strathmore diminuiu um pouco o tom de voz, aparentemente tentando acalmá-la.

- Não diria que esse programador é um "cara qualquer':

Susan não estava mais ouvindo. Estava convencida de que devia haver alguma outra explicação: um erro. Um vírus. Qualquer coisa era mais provável do que um código indecifrável.

Strathmore olhou para ela friamente.

- Uma das mais brilhantes mentes criptográficas de todos os tempos escreveu esse algoritmo.

Susan pareceu ainda mais descrente. As mais brilhantes mentes da Criptografia estavam em seu departamento e ela certamente estaria a par de um algoritmo como esse.

- Quem?

- Acho que você é capaz de adivinhar - disse Strathmore. - Digamos que é alguém que não gosta muito da NSA.

- Assim fica fácil! - devolveu ela, com sarcasmo.

- Ele trabalhou no projeto TRANSLTR. Quebrou as regras. Provocou um alvoroço no meio da inteligência. Eu o deportei.


 

Susan estava com uma expressão distante, mas em seguida ficou branca. - Meu Deus...

Strathmore acenou positivamente.

- Ele passou o ano todo se vangloriando a respeito de seu trabalho em um algo ritmo capaz de resistir à abordagem de força bruta.

- M - mas... - Susan balbuciava. - Achei que ele estava blefando. Ele realmente conseguiu?

- Sim. a encriptador definitivo e inquebrável.

Susan ficou em silêncio.

- Mas... isso quer dizer que...

Strathmore olhou-a no fundo dos olhos.

- Ensei Tankado acabou de tornar o TRANSLTR obsoleto.

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