Bastou o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, visitar a Coreia do Sul que a rival do norte já prepara um teste nuclear para os próximos dias. O possível quarto é um reflexo de um país hostil, totalitarista e comandado por um ditador cruel e intolerante. Na edição de abril da GQ, nosso repórter esteve na Coreia do Norte e relata o que viu lá. Confira:
Lentamente, o trem deixa para trás os modernos prédios e as movimentadas avenidas da cidade de Dandong, na China, para atravessar a ponte de ferro sobre o Rio Yalu e chegar a Sinuiju, na Coreia do Norte. Entrar no país mais fechado do mundo, que vive sob uma ferrenha ditadura comunista desde 1948, é como voltar no tempo. Avisto as chaminés de uma velha fábrica no estilo soviético, onde são produzidos refrigeradores novíssimos – mas exatamente iguais aos que eram feitos na década de 60. Ao longo da ferrovia, observo dezenas de operários trabalhando na manutenção dos trilhos, sob o sol forte, munidos apenas de marretas, sem a ajuda de máquina alguma. As lavouras de arroz no caminho são aradas por carros de boi, como se fazia na Idade Média. Na estação, uma companhia de soldados norte-coreanos armados com fuzis recepciona o grupo de turistas. “Não apressem os policiais”, diz o guia chinês. “Vamos ficar aqui por mais de duas horas.”
Ao abrirem a mochila de uma senhora chinesa, os soldados encontram um livro grosso com uma cruz dourada estampada na capa. Levam alguns minutos até concluírem que se trata de uma Bíblia. A mulher é autorizada a entrar com o livro, mas é informada que só pode sair do país se o trouxer consigo. E não pode mostrá-lo a ninguém: caso um civil norte-coreano seja flagrado folheando a Bíblia, poderá ir parar em um campo de trabalho forçado, semelhante aos gulags soviéticos. Também somos proibidos de entrar com livros sobre a história da Coreia do Norte, revistas sul-coreanas, câmeras com GPS, aparelhos de rádio e bandeiras dos EUA e da Coreia do Sul. Quando o guarda devolve os passaportes e seguimos rumo a Pyongyang, capital do país, comento com o guia que aquela era uma recepção digna do “Reino Ermitão”, como o país é conhecido.
Reverência Ao chegar a Pyongyang, os turistas são obrigados a depositar flores nas estátuas de Kim Il-sung e Kim Jong-il (Foto: Richard Amante)
Durante o ano passado inteiro, o jovem ditador norte-coreano, Kim Jong-un – que teria 31 anos, mas as informações sobre sua vida são tão esparsas que ninguém sabe com certeza –, tomou atitudes que assombraram a comunidade internacional. Foram várias tentativas de demonstrar força: o regime realizou testes com uma bomba nuclear “menor, mais leve e mais potente” e ameaçou atacar a costa oeste americana com ela; orientou que todos os embaixadores estrangeiros deixassem o país, por não ser capaz de “fornecer segurança a eles”; lançou seis foguetes no Mar do Japão, uma clara provocação ao inimigo histórico; condenou um americano a 15 anos de trabalho forçado por ter fotografado crianças famintas no interior; tentou contrabandear de Cuba mísseis e outras armas pesadas, escondidos embaixo de sacos de açúcar em um cargueiro. E, para finalizar o ano com uma atrocidade, em dezembro Kim Jong-un mandou executar Jang Song-thaek, seu próprio tio e número 2 na escala de poder do país, uma brutalidade inédita até mesmo para os padrões norte-coreanos. Em fevereiro deste ano, após ouvir 240 refugiados do regime, a ONU divulgou um relatório em que coloca o país como o maior violador de direitos humanos do mundo – em 400 páginas, aponta torturas sistemáticas, fome deliberada e massacres em níveis próximos ao genocídio nazista. Como se nada disso tivesse acontecido, Kim Jong-un foi o grande vitorioso nas eleições legislativas no país, no mês passado, com 100% dos votos para o parlamento, em um pleito absolutamente controlado pelo regime.
King Jong-Un, o excêntrico ditador da Coreia do Norte (Foto: Túlio Fagim)
A tensão do ano passado teve impacto no número de turistas autorizados a entrar na Coreia do Norte. Entre 2012 e 2013, quando o regime comunista começou suas provocações, o número de visitantes caiu de 5 mil ao ano para 1,5 mil. A principal razão, segundo agências chinesas especializadas, são restrições nos passeios: hoje, há apenas dois itinerários permitidos no país. Durante minha visita, o maior sinal da tensão era mesmo nos rostos dos visitantes – todos os norte-coreanos com quem cruzávamos pareciam ter um sorriso amarrado no rosto. No caminho até a capital, vimos mais lavouras de arroz, com agricultores que realizavam o plantio manualmente. Em agosto, todos os cidadãos da capital, Pyongyang, são obrigados a trabalhar na colheita, em dois períodos de dez dias no campo. “O trabalho do homem é muito mais necessário no regime em que vivemos”, explica um dos guias.
O trem chega a Pyongyang e começa a movimentação de passageiros. Além de sua mala, uma garota que voltava da China (deveria ter ligações com um integrante do partido, única maneira de entrar e sair do país com facilidade) desce carregando instrumentos, um carrinho de bebê na embalagem, uma caixa com frutas e outra com alimentos industrializados. “Aqui a gente não encontra essas coisas”, diz, sorrindo. Caso quisesse adquirir os mesmos produtos na Coreia do Norte, ela precisaria recorrer aos altos preços do mercado negro. Praticamente sem indústrias, o país depende da importação – e do contrabando – de mercadorias chinesas. Um rapaz uniformizado desce da locomotiva empurrando um carrinho com seis caixas de bananas, um pacote de garrafas de água mineral e duas caixas de pêssegos. De cabelos grisalhos e pele queimada do sol, um senhor faz várias viagens para descer meia dúzia de pacotes enrolados com plástico preto. “Roupas para vender”, diz o guia. “Ele vai toda semana para lá a trabalho e na volta traz encomendas. Ganha muito mais com isso do que trabalhando para o governo”, completa.
A entrada de produtos chineses é reflexo da economia local, uma das mais fechadas do mundo – mais de 88% das relações comerciais da Coreia do Norte são com a China (US$ 6,45 bilhões em 2013). Mas os dias de bonança promovidos primeiro pela União Soviética e nos últimos anos pela China estão em declínio. “A China já não é mais o forte aliado norte-coreano que vinha sendo nos últimos anos”, disse à GQ Wang Dong, professor da Universidade de Pequim e um dos maiores especialistas chineses nas relações entre os dois países. “O governo e o povo chineses estão descontentes com as atitudes de Pyongyang, com as provocações à Coreia do Sul e aos EUA. Os sinais do distanciamento ficaram claros quando a China apoiou as novas sanções da ONU contra a Coreia do Norte, algo inédito nas relações entre as duas nações.” O país sofre ainda embargo severo dos Estados Unidos: em resposta a notícias de que a Coreia do Norte estaria produzindo armas nucleares em 2006 e 2009, o governo de Barack Obama proibiu a importação de quaisquer produtos, serviços ou tecnologia do regime de Kim Jong-un.
Estado militar O exército do país é o sexto mais numeroso do mundo, com 1,1 milhão de soldados (Foto: AFP)
Mal chegamos a Pyongyang e, instalados em um ônibus também de fabricação chinesa, seguimos direto para Mansudae (Colina Mansu). Todo visitante precisa, obrigatoriamente, parar ali, depositar flores e curvar-se aos pés das estátuas de Kim Il-sung (o “Sol da Humanidade”, tratamento honorífico criado pelo regime) e de Kim Jong-il, o “Querido Líder” – respectivamente, o avô e o pai de Kim Jong-un, o atual ditador, cuja alcunha é “Supremo Líder”. Ao falar com qualquer integrante do governo, os civis norte-coreanos têm de usar, obrigatoriamente, esses tratamentos ao citarem os líderes. Sob pena, novamente, de ir parar em um gulag. “O povo queria uma estátua com o dobro do tamanho, mas Kim Il-sung disse que não precisava ser tão grande, que o dinheiro economizado poderia ser usado em coisas mais úteis”, diz o guia. “Isso prova o quanto ele era modesto.”
No trajeto até o hotel, é possível perceber que as mudanças ocorridas nos últimos anos fizeram aumentar ainda mais a disparidade entre a capital e outras regiões do país. “Começa pelo número de carros nas ruas, que aumentou muito na capital”, diz o embaixador do Brasil em Pyongyang, Roberto Colin, na função desde 2012. A luz elétrica, porém, ainda é precária: basta cair a noite para o suprimento ser cortado. É assim em toda a Coreia do Norte. Na capital, vitrine do regime comunista, algumas construções continuam iluminadas. Da janela de meu quarto, destacava-se o hotel Ryugyong, prédio de 105 andares em forma de pirâmide que começou a ser erguido em 1987. A parte externa foi concluída, mas a inauguração ainda é uma incerteza.
No país, só pessoas ligadas ao governo podem exercer funções de caráter privado, como abrir estabelecimentos comerciais, sempre abastecidos por produtos chineses. As poucas lojas, porém, servem apenas a estrangeiros. “É caro para os padrões locais, então apenas estrangeiros compram ali”, diz o embaixador Colin. Apesar de ter orientado os países a fechar as embaixadas no meio do ano passado (o que acabou não passando de mais uma bravata do regime), o ditador tem tentado se aproximar das representações diplomáticas instaladas no país, segundo o embaixador. Colin encontrou o líder norte-coreano pessoalmente três vezes e afirma que ele se mostrou “simpático”. “O medo dele é de começar um processo de abertura e perder o controle, como na União Soviética. Deve levar anos.”
Metrô é reflexo do atraso de Pyongyang, capital e cidade mais "moderna" do país (Foto: AFP)
Outrora consideradas as mais belas mulheres do país, as guardas de trânsito não são mais vistas com tanta frequência nos cruzamentos. Com a instalação de semáforos na cidade, elas não precisam mais ficar no meio da rua controlando o trânsito. Entram em ação mesmo é quando falta luz – o que não é nada raro. Uma foto de satélite noturna captada pela Nasa em 2012 mostra a diferença no desenvolvimento entre a Coreia do Norte e os países ao redor. Enquanto Coreia do Sul, China e Japão estão plenamente iluminados, a Coreia do Norte está no escuro, com pouquíssimos focos de luz.
No saguão do hotel Yanggakdo, chamado de “Alcatraz” por ficar numa pequena ilha e um dos que mais recebe turistas do país (e onde fiquei hospedado), está mais um exemplo da parca tecnologia local: o único computador, sem internet, permanece desligado. Como meio de comunicação, além do telefone, a recepcionista indica o envio de cartas. Ao chegar ao restaurante giratório no topo do prédio de 47 andares, converso com um turista chinês, que tem parentes na Coreia do Norte. “Não existe liberdade aqui, você olha as pessoas na rua e elas não parecem felizes”, diz Jing Ming Jie, empresário de 58 anos. “Trinta anos atrás a China também era assim.”
A separação das Coreias do Sul e do Norte em dois países deu-se após a Segunda Guerra Mundial, quando Estados Unidos e União Soviética fizeram um acordo para dividir a península coreana na altura do paralelo 38. Kim Il-sung, que passou parte da juventude na Rússia, foi levado pelos soviéticos ao poder. Declarando-se governante de toda a península coreana, ele invadiu o sul em 25 de junho de 1950 e deu início à Guerra da Coreia. Com apoio dos soviéticos e da China, conseguiu tomar a maior parte da península, mas o país foi quase dizimado quando os Estados Unidos entraram no conflito. Em três anos de batalhas, morreram 54 mil soldados norte-americanos e 2 milhões de soldados coreanos. Cerca de 1,5 milhão de civis foram feridos, mortos ou dados como desaparecidos. O armistício assinado em 27 de julho de 1953 encerrou os conflitos e restabeleceu a fronteira, mas os dois países permanecem oficialmente em guerra até hoje. Desde então, não há comunicação entre sul e norte, seja por telefone, fax, internet ou correio.
Pirâmide: a construção do hotel Ryugyong, de 105 andares, começou em 1987 e nunca foi finalizada (Foto: AFP)
Com a morte de Kim Il-sung, em 1994, seu filho Kim Jong-il assumiu o poder. Ele morreu em 2011 e deixou o cargo para o filho mais novo, Kim Jong-un. É o único país comunista no mundo com governo hereditário, como numa monarquia.
Segundo dia de viagem, o ônibus parte às 8h da manhã em direção ao Museu Internacional da Amizade, em Myohyangsan. Ao meu lado senta-se Paek Chol Nom, guia norte-coreano que morou oito anos em Cuba na década de 90 e fala espanhol. Filho de um general já aposentado do Exército Popular da Coreia, ele se considera afortunado. “Poucos conterrâneos têm a oportunidade de estudar fora do país”, diz. Chol Nom também fala chinês, o que lhe garante emprego com salário mensal equivalente a R$ 185, bem acima dos R$ 10 da maioria dos trabalhadores do país. Grávida do segundo filho, sua mulher é professora de música na Universidade Kim Il-sung e ganha R$ 260 mensais. Assim que a criança nascer, a família será acomodada em um apartamento de três quartos. As moradias, que legalmente pertencem ao governo, são distribuídas entre os cidadãos de acordo com a posição social. Mas isso não impede operações no mercado negro.
É comum pessoas se mudarem para lugares menos confortáveis em troca de dinheiro. Chol Nom pretende entrar no ramo de comércio de produtos chineses e cubanos. “Tenho muitos contatos nesses dois países e conheço muita gente no governo, por causa do meu pai.” Isso, segundo ele, facilitaria a obtenção do documento sem o qual é impossível ter um negócio próprio. Pessoas sem contatos no governo passam a vida como funcionários de baixo salário ou atuam no mercado negro de mercadorias e serviços.
A estrada que leva até Myohyangsan, larga e deserta, mostra sinais de descuido e é mais uma herança da época em que a Coreia do Norte era um país desenvolvido e mais rico que a do Sul. Com a derrocada da União Soviética no início dos anos 90, o país perdeu seu maior aliado militar e comercial. Sem o dinheiro da potência socialista, Kim Il-sung deixou de investir em infraestrutura e a produção de alimentos despencou, causando uma fome que matou 2 milhões de pessoas, cerca de 10% da população do país – essa é a estimativa mais aceita, já que é impossível saber tanto o número de mortos durante a “Grande Fome” como a própria população do país.
Sobrevivente relata tortura aplicada a presos políticos (Foto: Reprodução)
Com o aumento das transações comerciais com a China nos anos 2000, a Coreia do Norte finalmente conseguiu estabilizar a oferta de comida. “A China fornece o mínimo necessário para que o regime norte-coreano não entre em colapso”, aponta o professor Wang Dong. Ainda assim, milhares de pessoas cruzam a fronteira com a China em busca de melhores condições, geralmente na Coreia do Sul. Os que conseguem chegar são poucos. Foram apenas 1.217 em 2012, número 50% menor que no ano anterior. Muitos são capturados e levados a campos de detenção – onde hoje vivem, segundo a ONU, entre 80 mil a 120 mil presos políticos em condições degradantes. Muitos outros são impedidos de fugir do país pelos guardas de fronteira, que os alvejam pelas costas.
O Museu Internacional da Amizade, construído em 1978 para exibir os presentes enviados aos líderes norte-coreanos por personalidades de todo o mundo, é parada obrigatória (literalmente) para os turistas. Quem quiser visitar o país tem de passar duas horas nos largos corredores da luxuosa construção que ostenta exatos 122.250 presentes de 184 países. Tudo, é claro, para mostrar como os “Queridos Líderes” são “respeitados e amados” no mundo inteiro. Ao saber que sou brasileiro, o guia faz questão de mostrar uma bola assinada por Pelé.
De volta a Pyongyang, somos levados a uma escola onde crianças apresentam um show musical enaltecendo os líderes. No pátio interno, alunos se divertem em pequenos grupos. Sentados no chão, uns conversam e riem. Mais ao fundo, outros ensaiam passos de marcha. Desconfiados, alguns param de falar e ficam me olhando, outros se escondem. “Aqui eles aprendem informática e acessam a internet”, diz o guia, apontando para uma sala com 25 modernos computadores e um projetor. Desde cedo, na escola, eles aprendem a filosofia Juche, doutrina alienante criada pelo avô do atual ditador, cujo conceito básico é o “espírito da autossuficiência”. Trata-se de uma mistura de legislação, religião e estratégias militares que se baseia na ideia paradoxal de que “o homem pode decidir tudo”, desde que sob o comando de um “líder talentoso” – no caso, um ditador. Como a doutrina prevê que o país seja autossuficiente da indústria à agricultura, é um dos principais motivos para o isolamento da Coreia do Norte. A propaganda abundante, com imagens, estátuas e outdoors onipresentes, faz parte dessa filosofia.
Nos livros que explicam o Juche, as crianças aprendem que Kim Il-sung é um ser divino e que o nascimento de Kim Jong-il foi marcado por uma estrela radiante e um arco-íris duplo. Desde pequenos são ensinados que é preciso chorar na presença dos líderes. As cenas de aparecimento público dos ditadores são eventos marcantes: na tentativa de agradar aos pais e ao partido, uma criança sempre chora mais que a outra, e promovem cenas inimagináveis para padrões ocidentais – para elas, é como se estivessem diante de um deus. Com o bloqueio das informações de fora, a alienação segue. Mesmo assim, pelo menos nessa área, o isolamento parece estar cedendo: a devoção ao jovem Kim Jong-un é mais superficial que a dispensada ao pai e ao avô, garante o reverendo Tim Peters, da ONG Helping Hands Korea, que há 16 anos trabalha com refugiados norte-coreanos. “O povo está começando a entender que eles não são divinos. Só não o demonstram porque têm medo das represálias”, afirma.
Duas vezes ao ano, todos os cidadãos coreanos precisam ficar durante 10 dias trabalhando nos campos de arroz (Foto: Richard Amante)
No metrô, turistas são proibidos de conversar com os mais de 500 mil norte-coreanos que utilizam o serviço diariamente. Tirar fotos, por outro lado, é encorajado, como propaganda do “moderno sistema de transporte” do regime. Escadas rolantes levam os passageiros a 100 metros de profundidade, onde trens importados da Alemanha Oriental esperam ao lado de uma plataforma decorada com luzes coloridas e colunas entalhadas. Do lado de fora, outdoors exibem frases como “se o partido manda, nós cumprimos”, “não temos nada a invejar do exterior” e “vamos amar Kim Il-sung, eterno presidente”.
Nosso ônibus segue em direção à Zona Desmilitarizada, conhecida como DMZ. É o terceiro dia de viagem. Criada pelo armistício de 1953 na divisa entre as duas Coreias, a DMZ tem 250 quilômetros de comprimento e 4 quilômetros de largura – e é, apesar do nome, a área mais fortemente militarizada do mundo. Ali dentro, na vila de Panmunjeon, fica a Área de Segurança Conjunta, onde estão os sete prédios usados nas negociações entre os dois países, construídos na divisa, metade para cada lado.
Os guardas do sul e do norte, que vivem a poucos metros de distância e falam a mesma língua, não podem se comunicar. Um gesto mal interpretado pode gerar um impasse diplomático que poderia iniciar uma guerra. Do lado sul-coreano, dois militares da Suécia, funcionários da ONU no local, caminham sem desviar o olhar dos turistas do lado norte. “Não façam nada que possa irritá-los”, avisa o guia.
O investimento nas Forças Armadas é inversamente proporcional às possibilidades do país. A Coreia do Norte tem o sexto maior exército do mundo, com 1,1 milhão de soldados. Porém, segundo depoimentos de refugiados, as armas, tanques, navios e mísseis estão obsoletos.
Após o almoço, entramos em Kaesong, cidade histórica reconhecida em 2013 como Patrimônio da Humanidade. Painéis solares instalados nas casas indicam que o fornecimento de energia ali está longe do ideal. Ao final da visita ao Museu Koryo, última parada da viagem, me aproximo de um grupo de jovens que jogam vôlei. O guia não aprova e esboça uma proibição, mas em seguida junta-se a nós.
Na fronteira, mais uma vez o trem fica parado por duas horas. A senhora que trouxe a Bíblia é convidada a mostrar que está saindo com o livro. Ao voltar a Dandong, já na China, observo os caminhões que, em série, esperam para cruzar a fronteira – estima-se que 80% dos produtos negociados entre a Coreia do Norte e outros países passem por ali. À noite, um comerciante que não quis se identificar me leva ao ponto do Rio Yalu onde as margens mais se aproximam. “É por ali que as mercadorias contrabandeadas chegam à Coreia, e é por ali que as pessoas que fogem para a China costumam atravessar”, ele diz. O rio ali – atrás do Parque Hushan, onde fica o trecho mais ao norte da Muralha da China – tem pouco mais de dez metros de largura.
Segundo depoimentos de refugiados, é por aquele ponto que entram especialmente os artigos de luxo (relógios, vinhos, home theaters, equipamentos para montagem de saunas...) cuja importação é proibida pelo regime – ao menos para a população comum. “Os produtos seguem em caixas, sempre à noite, quando a lua está escondida. Alguns pagam propina aos guardas para cruzar com tranquilidade”, diz o comerciante. Com os embargos, o isolamento do país e a escassa oferta de produtos no mercado formal, resta à elite de Pyongyang, geralmente integrantes do próprio partido que sustenta o regime comunista, comprar produtos no mercado negro.
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