Na última década do século XIX, o desenvolvimento da indústria automobilística na Europa e nos Estados Unidos promoveu uma grande demanda pela borracha, matéria com a qual os pneus dos automóveis são produzidos.
A utilização crescente da borracha em escala industrial trouxe novos interesses pelas “terras do Amazonas”. A região amazônica, com sua floresta repleta de seringueiras (árvore de onde se extrai o látex, matéria-prima da borracha), tornou-se pouco tempo o principal centro fornecedor das indústrias norte americanas.
A situação privilegiada alcançada pela borracha no mercado internacional promoveu uma corrida aos seringais da Amazônia. A seiva das árvores criava grandes fortunas para os proprietários de terras e para as companhias de exportação.
A Amazônia foi redescoberta. Crescia dentro de suas árvores uma nova riqueza a ser explorada. Foram organizadas grandes empresas de extração e comercialização da borracha. Estas empresas se apropriaram de vastas áreas ricas em seringais, constituindo imensos latifúndios. A Mello & Cia, por exemplo, de propriedade do então senador Antônio José Pinto e do barão Souza Lajes, possuía mais de sessenta mil hectares de seringais.
As seringueiras encontravam-se dispersas no interior da floresta amazônica, heterogênea e fechada. O interesse das empresas não estava nas terras em si, mas nas seringueiras que nela nasciam, conduzindo a uma apropriação de imensas áreas.
Para expandir seus negócios e garantir a exclusividade da extração e comercialização da borracha, algumas empresas conseguiram concessões junto ao governo párea navegação em determinados rios. Com a exclusividade da navegação, as empresas mantinham o acesso aos seringais sob seu controle, evitando o aparecimento de concorrentes. Das terras do baixo curso do rio Amazonas até as terras banhadas pelos rios Madeira , Purus e Juruá, multiplicaram-se os postos de fiscalização.
Os postos de fiscalização foram estabelecidos nas margens dos rios para garantir os seringueiros, homens encarregados de extrair e defumar o látex e só entregassem a borracha às empresas que os contratavam, das quais tinham de comprar também os mantimentos.
Da floresta, a borracha era conduzida em embarcações através dos rios até os postos de Manaus e Belém. Destes portos os navios cargueiros saíam levando a produção para a Europa e EUA...
A Inglaterra foi a principal compradora da borracha, controlando a distribuição no mercado internacional.
Os nordestinos formavam o “exército da borracha” e construíam, na sua solidão e miséria, a riqueza dos “marajás” de Belém e Manaus.”
“As gentes do Ceará e do Maranhão, que trocam sua terra pela Amazônia, não são menos desgraçadas que os nossos camponeses, que trocam Portugal pelo Brasil. A sua luta é uma epopéia assombrosa, de que não ajuíza quem, no resto do mundo, se deixa conduzir veloz e comodamente nos automóveis com roda de borracha, da borracha que esses homens tiram da selva misteriosa e implacável.”
(Ferreira de Castro, escritor português)
Ninguém poderia imaginar que no “coração” de uma floresta equatorial surgisse uma cidade encantada com palacetes luxuosos, comércio ativo e uma vida cultural e social que acompanhava todas as novidades européias. A cidade encantada dos “marajás da borracha” era Manaus.
Todo o encanto e riqueza da cidade de Manaus, e até mesmo da cidade de Belém, foram produzidos por um conjunto de trabalhadores anônimos, que viviam em condições subumanas: os seringueiros.
Entre 1877 e 1880 a região Nordeste, em particular o Ceará, conheceu um dos seus maiores e mais intensos períodos de seca. Os leitos dos rios secaram, o solo ficou endurecido pela falta de umidade, morreram as plantas e o gado. A fome e a morte acompanhavam os homens em cada palmo de terra.
As graves conseqüências da grande seca tornaram-se maiores pela desigual distribuição das terras. No Nordeste a maioria das terras era propriedade de poucos, que constituíam imensos latifúndios, enquanto um enorme contingente da população rural não possuía sequer um pedaço de terra para o seu próprio sustento.
Se a seca afetou a produção de alguns latifúndios, suas conseqüências foram trágicas para os trabalhadores sem terras e sem famílias.
Multidões famintas e desesperadas chegavam às cidades e vilarejos. Temendo uma situação política incontrolável, o governo estabeleceu uma política de migração, orientando os flagelados da seca para a Amazônia.
Navios a vapor, abarrotados de nordestinos, chegaram ao porto de Belém e ao porto de Manaus. Era o exército da borracha... a mão-de-obra para os seringais.
Um dos personagens do romance “A Selva”, do escritor Ferreira de Castro, conta o seu destino:
“Eu tenho estado sempre a dever, não há maneira de vencer aquela conta! Quando seu Alípio foi ao Ceará buscar o pessoal, me disse que um homem enriqueceu logo que chegou aqui. Eu acreditei naquela lorota e, afinal, ainda não paguei a passagem. Eles, assim que nos chegamos aqui, já não dizem mais coisas bonitas. Vendem tudo mais caro, que é para o seringueiro não arranjar saldo e ficar à vida toda nestas brenhas do diabo.”
O lavrador, transformado em seringueiro, já saía de sua terra devendo a passagem no “vapor”. Quando chegava, as dívidas aumentavam. Devia o dinheiro emprestado para chegar ao seringal e a comida dos primeiros meses de trabalho.
O destino do nordestino era um duro trabalho, em troca de um salário que mal pagava as contas com o patrão.
Os nordestinos, na sua maioria cearenses tornaram-se a principal força de trabalho dos seringais, dando duro desde o raiar até o pôr-do-sol, em plena floresta, extraindo a seiva das árvores.
A malária e a solidão da choupana acompanhavam o seringueiro na espera das embarcações, que chegavam aos portos de fiscalização trazendo os alimentos cada vez mais caros, e levando a borracha produzida pelo seu suro diário em troca de um minguado salário.
Mais de quinhentos mil n0rdestinos dirigiram-se para Amazônia. Entre 1870 e 1900, a população do Pará e do Amazonas passou de 329.000 para 695.000 habitantes. Muitos foram conduzidos a lugares mais distantes, ocupando uma região que, anos mais tarde, se transformaria no atual estado do Acre, na época pertencente à Bolívia.
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