sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Produtos da Biodiversidade Amazônica – Amazônia: interesses e conflitos

A medicina moderna não seria a mesma sem o curare. Veneno de flechas usado pelos índios da Amazônia, para paralisar a caça ou matar seus inimigos, a tubocurarina, substância ativa do curare, e atualmente seus derivados, fazem parte dos principais anestésicos em uso clínico produzidos pelas empresas farmacêuticas multinacionais. Exemplos como este não são isolados, inúmeras drogas em uso clínico no mundo são derivados de produtos naturais da Amazônia . A Europa não existiria como tal, se não fosse a Quina (Cinchona spp), usada para curar malária na Amazônia até hoje. A malária que grassava nos pântanos da Europa, fez mais vítimas que exércitos inteiros. As tropas de Napoleão foram capazes de estender seu império, graças ao Quinino, substância ativa da Quina, que protegia seus soldados das infecções e assim em vantagem competitiva, podiam avançar em regiões em que seus inimigos não se sustentavam.

A biodiversidade amazônica se conta em termos sempre superlativos em números de plantas, peixes, aves, mamíferos, animais marinhos e insetos, sem contar os microorganismos que são milhões de espécies. Talvez apenas 1% desta mega- biodiversidade amazônica tenha sido estudada do ponto de vista químico ou farmacológico. Estudos químicos e farmacológico são a base para a pesquisa e desenvolvimento (P&D) de produtos farmacêuticos. No entanto da rica fauna e flora, que tem gerado tantos produtos para o mundo, nenhum medicamento foi produzido até hoje, pelos cientistas brasileiros para a nossa sociedade. E a resposta a esta acertiva, parece estar no divórcio existente entre o meio acadêmico e as atividades produtivas. Diferentemente do 1o mundo onde a relação cientista-empresa é um fato que é respeitado, no Brasil é desconhecido, desconsiderado e praticamente impedido pela Universidade.

Os cientistas brasileiros têm enorme competência, evidenciada na publicação (Barata et al) que fizemos com colegas de Unicamp e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP . Milhares de trabalhos científicos em química, farmacologia, biologia, ecologia, cultivo e medicina foram publicados nos últimos 10 anos em revistas científicas respeitadas mundialmente sobre a biodiversidade brasileira, principalmente a amazônica. Muitos foram produzidos pelos órgãos de pesquisas espalhados da região amazônica, como o Museu Paraense Emílio Goeldi, que tem mais de cem anos de história científica. Assim, não faltam pesquisa, faltam produtos a partir destas pesquisas. Muitas pesquisas foram feitas com o quebra-pedra (Phylantus niruri) a partir do conhecimento popular que o chá desta planta tem ação antinflamatória e elimina cálculos renais. O Ministério da Saúde-CEME, apoiou pesquisas nos anos 80, que visavam fitoterápicos, no entanto, esta planta foi patenteada pelo Fax-Chase Center nos EUA.

Fruto do Buriti. No Brasil ocorre no Pará, Amazonas, Tocantis, Maranhão, Piauí, Ceará, Bahia, Goiás e São Paulo.

O mercado mundial dos fitoterápicos é estimado hoje em U$22 bilhões (cf. o Estado de São Paulo 10/11/00) sendo U$400 milhões no Brasil. Muitas empresas brasileiras estão entrando neste disputado mercado que cresce 12%/ano, como a Natura e a Aché, maior empresa brasileira de medicamentos alopáticos. Mas das plantas da Amazônia, também se produzem fitofármacos , substância medicamentosa extraída dos extratos de plantas (ex: o quinino extraído da quina). Dois exemplos recentes de ações que visam obter fitofármacos são os contratos que a Bioamazônia e a Extracta fizeram respectivamente com a Novartis e a Glaxo-Wellcome. O mercado farmacêutico é dinâmico, e mundialmente lança produtos que vendem U$ 345 bilhões/ano. É um mercado extremamente importante mesmo no Brasil, onde chega a U$ 10 bilhões. Mas não é o único onde a Amazônia pode se inserir. O mercado de Cosméticos pode chegar a U$ 140 bilhões de dólares/ano e o Brasil exporta menos que U$ 70 bilhões.

As pesquisas começaram há mais de cem anos na Amazônia, no entanto hoje, existem apenas 500 cientistas na região. Isso é um número muito pequeno para estudar cerca de 33.0000 espécies conhecidas de plantas, talvez 10.000 medicinais que estão na Amazônia. Sozinho o estado de São Paulo produz 500 Cientistas por ano. Outro aspecto muito importante é o conhecimento da biodiversidade. O Brasil por ter sido uma nação produto da miscigenação de raças, trouxe o conhecimento das plantas medicinais do negro e dos portugueses para somar aos dos índios que aqui estavam. Mas não só de plantas, também de peixes, insetos e muitos outros organismos. Todo este conhecimento se transformou em etno-produtos como o curare, abelhas que produzem mel, timbó para a pesca, plantas para o controle biológico, como o mastruço (mastruz). Ainda tem frutas comestíveis, que na Amazônia foram descritas cerca de 300 de nomes (Cavalcante, 1988)tão sonoros quanto desconhecidos: uxi, pupunha, mari, tucumã, ucuqui, cutite, bacuri e burity. Pode-se produzir nutracêuticos destas frutas. Do burity obtem-se carotenos
que em mistura com licopeno
pode prevenir ou curar canceres na próstata. Também se pode obter aromas ou flavorizantes de frutas como o cupuaçu e o muricy. Apesar dessa riqueza, a exportação das matérias primas vegetais do Brasil é ridícula e a importação de plantas vegetais e extratos vegetais da Europa, EUA e Ásia chega á U$ 210 milhões/ano. Então, apesar do conhecimento de nossa biodiversidade e apesar do conhecimento científico, nós não tivemos capacidade de transformar este conhecimento em produtos, como acontece na Europa, EUA e Ásia. De fato, o caminho do conhecimento até o mercado é bastante longo, complicado e exige absolutamente a presença do setor produtivo. Essa talvez seja a razão pela qual não existam produtos da nossa biodiversidade amazônica. A universidade está completamente apartada da área empresarial.

Nos congressos científicos que tenho participado, só nos últimos 5 anos começou a haver uma tímida presença de empresários. E o divórcio vem dos dois lados. Os empresários raramente procuram a universidade, talvez porque não acreditam nas soluções que vêm da nossa casa. E podem ter razão, a Unicamp acumula 3.000 descobertas nas suas prateleiras que não foram tomadas pelo setor produtivo ou transformadas em produtos para a comunidade. E aí perdem todos, a universidade que investiu nas pesquisas e o empresariado que compra tecnologias, as vezes obsoletas no exterior. Talvez porque as tecnologias geradas estejam além da compreensão ou interesse dos empresários, e talvez porque haja necessidade de que alguns cientistas se transformem em empresários, o que não é incompatível com a ciência e a geração do conhecimento. Ao contrário, um cientista bem informado e vivido na tecnologia, certamente auxilia na capacitação dos seus alunos que um dia irão para o mercado de trabalho.

Certamente na universidade, temos solução para muitas tecnologias básicas necessitadas por empresas. O controle de qualidade adequado de medicamentos fitoterápicos, praticamente não existe nas empresas brasileiras e muito menos nas da Amazônia, isto causa um sério problema de saúde pública. No entanto, qualquer bom laboratório de química de produtos naturais, tem o conhecimento necessário para desenvolver um protocolo usando cromatografia para o controle de qualidade de fitomedicamentos. Isto ajudaria empresas da Amazônia a colocar seus produtos no Sul e depois no mundo, mas não é o que acontece, apenas 8,3% da empresas da Amazônia exportam seus produtos naturais.

Tucumã - Fruto da Palmeira Astrocatyum tucuma.

A área cosmética na Amazônia sofreu um grande impulso nos últimos anos, principalmente alavancados pela Suframa, que percebendo a morte anunciada da zona franca de Manaus, decidiu investir U$ 30 milhões em projetos que incluem a Bioamazônia, órgãos de pesquisa e empresariado local, visando colocar a Amazônia no centro da produção de matérias primas cosméticas no Brasil. A Amazônia já produz o óleo de andiroba, castanha, cupuaçu e burity para a indústria cosmética. O óleo de andiroba que vem das sementes de uma planta nativa, tem propriedades anti-inflamatórias e analgésicas e é usado pela população. Devido a este novo mercado, muitos tem cultivado esta árvore na região. Amazônia Qualquer caboclo que se machuque numa boa briga ou a velha dama da society local que sofre de reumatismo, não dispensa o óleo de andiroba. Outras empresas como a The Body Shop da Inglaterra, a Aveda dos EUA e a Ives Rocher da França têm usado as mesmas matérias primas da Amazônia para seus produtos. A indústria de cosméticos é muito ávida em produtos. A cada ano precisa de inúmeros lançamentos, diferentemente da área farmacêutica. Mais é um mercado extremamente interessante que vive da aparência e do marketing. E o nome Amazon, por si só já é uma marca, um chamariz e o marketing que poderia ser usado pelos amazonidas.

No entanto, para produzir matérias primas de qualidade, um óleo vegetal deve ser padronizado através de processamento para que suas propriedades fisico-químicas sejam constantes. Sem padronização é praticamente impossível do produto chegar ao mercado. Outro produto da Amazônia é o açaí que é o fruto de uma palmeira. Dela nada se perde, aproveita-se o palmito, as folhas para cobertura de casas, a madeira para a construção de casas e portos, e os frutos para o vinho ou suco, que é um energético rico em antocianinas, o mesmo corante encontrado no vinho. Usado na região há centenas de anos como alimento, só nos últimos 3 anos, chegou ao sul do país. Hoje, os jovens sarados não passam sem ele. E o açaí, virou um negócio de U$ 20 milhões/ano, o mesmo valor obtido com a venda da tradicional castanha-do-Pará. É um produto extremamente interessante, porque começou com o protesto dos ecologistas que tentavam impedir a derrubada das palmeiras usadas para a indústria do palmito. O cultivo em ilhas em frente á Belém começou com algumas ONGs, e hoje dá emprego a uma população importante, guardiã de cada pé de açaí existente. O açaí também poderia servir como corante na indústria cosmética, onde 10% do mercado é para adquirir matérias primas, muitas de origem natural.

O cultivo das palmeiras do açaí e das árvores de andiroba, se tornaram um símbolo da economia sustentável na Amazônia. Hoje os caboclos e ribeirinhos sabem que é importante preservar a floresta, porque isto lhes traz recursos e o sustento de suas famílias.

Prof. Dr. Lauro E. S. Barata - Professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas.


 

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