A geografia estuda o espaço, constituído pelas formas naturais e pelas que foram criadas pelo trabalho humano, em conjunto com as relações que ocorrem na vida em sociedade. O espaço geográfico, ou simplesmente espaço, é analisado levando em conta os lugares, as regiões, os territórios e as paisagens. As relações sociais, econômicas e culturais explicam a sua dinâmica, o seu constante processo de transformação.
Ao estudar o espaço, porém, cada um possui o seu enfoque. Há geógrafos, por exemplo, que consideram a geografia uma ciência essencialmente social. Para outros, ela seria uma ciência da natureza. Há outros, ainda, que vêem nas relações da sociedade com a natureza o seu objeto de análise.
Neste material, estudaremos o Brasil e o mundo tendo como base as relações da sociedade com a natureza, tratando a geografia física e a humana de forma interligada.
Leia o texto a seguir, Organização espacial. Nele, o autor apresenta a postura de análise que permeia este livro.
PARA PENSAR - GEOGRAFICAMENTE
Observe as fotos abaixo, reflita sobre outros exemplos e responda (por escrito):
1. Pense no papel que os serviços públicos têm no dia-a-dia dos cidadãos: o que muda na vida das pessoas quando as condições de moradia, transporte, educação, saúde e outros serviços públicos melhoram?
2. Quais são as nossas responsabilidades, quando utilizamos um serviço público ou privado?
O cotidiano das pessoas é influenciado, ou mesmo determinado, pela forma como o espaço está organizado. Observe as fotos e responda às questões a seguir.
Barco transportando turistas, no pantanal mato-grossense , em 2000.
Terminal de ônibus, em São Paulo, em 1999.
Rua de Fortaleza (Ceará), em 2001.
Organização espacial
Roberto Lobato Corrêa
Como a geografia objetiva o estudo da sociedade? Ou seja, qual é a objetivação da geografia que, sem deixar de ser uma ciência social, distingue-se da história, antropologia, economia e sociologia, todas elas também ciências sociais?
O longo processo de organização e reorganização da sociedade deu-se concomitantemente à transformação da natureza primitiva em campos, cidades, estradas de ferro, minas, voçorocas, parques nacionais, shopping centers etc. Estas obras do homem são as suas marcas apresentando um determinado padrão de localização que é próprio a cada sociedade. Organizadas espacialmente, constituem o espaço do homem, a organização espacial da sociedade ou, simplesmente, o espaço geográfico. A objetivação do estudo da sociedade pela geografia faz-se através de sua organização espacial, enquanto as outras ciências sociais corretas estudam-na através de outras objetivações.
Resumindo, o objeto da geografia é, portanto, a sociedade, e a geografia viabiliza o seu estudo pela sua organização espacial. Em outras palavras, a geografia representa um modo particular de se estudar a sociedade.
CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1988. p. 52-3. (Princípios, 53).
Outro elemento de análise muito utilizado pela geografia para interpretar a sociedade e suas relações com a natureza é o território. Podemos falar em território nacional, território indígena, território de uma gangue de traficantes de drogas, território de ação de um grupo de ajuda humanitária, etc.
Em cada um deles, há relações de poder, de posse ou de domínio, e vigoram determinadas regras ou leis. Essas podem ser institucionais - criadas pelo Estado - ou reconhecidas informalmente pela sociedade - não estão escritas, mas todos as conhecem.
O território nacional é controlado por um Estado. Dentro dos limites do território de qualquer país, administrado pelo Estado, vigoram leis próprias e várias outras normas, que deixam de ter validade fora dos seus limites físicos, delimitados pelas fronteiras político-administrativas.
Ampliando a escala da nossa abordagem, constatamos que há territórios sob a influência de instituições, organismos e empresas que extrapolam os limites dos territórios nacionais. A Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a Organização Mundial de Comércio (OMC), o Mercosul, a União Européia, por exemplo, acabam interferindo, direta e indiretamente, nas decisões dos governos nacionais, ou seja, têm ação direta e indireta sobre a gestão dos territórios nacionais.
Estado-nação - cidadania e globalização, na atual fase do processo de globalização, a gestão dos territórios nacionais sofre influências externas cada vez mais acentuadas. Leia, no texto a seguir, que além de sua dimensão espacial a noção de território deve ser associada a escalas de tempo histórico.
O território
Marcelo José Lopes de Souza
A palavra território normalmente evoca o "território nacional" e faz pensar no Estado - gestor por excelência do território nacional-, em grandes espaços, em sentimentos patrióticos (ou mesmo chauvinistas), em governo, em dominação, em "defesa do território pátrio", em ·guerras... A bem da verdade, o território pode ser estendido também à escala nacional e em associação com o Estado como grande gestor (se bem que, na era da globalização, um gestor cada vez menos privilegiado). No entanto, ele não precisa e nem deve ser reduzido a essa escala ou à associação com a figura do Estado. Territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas mais diversas escalas, da mais acanhada (p. ex., uma rua) à internacional (p. ex., a área formada pelo conjunto dos territórios dos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN); territórios são construídos (e desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias; territórios podem ter um caráter permanente, mas também podem ter existência periódica, cíclica. Não obstante essa riqueza de situações, não apenas o senso comum, mas também a maior parte da literatura científica, tradicionalmente restringiu o conceito de território à sua forma mais grandiloqüente e carregada de carga ideológica: o "território nacional".
SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território. In: CASTRO, Iná Elias; GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (Orgs.). Geografia, conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 81.
REFLEXÃO EM EQUIPE
PARA EXERCITAR
Responda, por escrito, à questão a seguir.
Embora existam uma Constituição Federal e outras leis e regras que vigoram em todo o território brasileiro, ele está inteira e absolutamente administrado.
Pelo Estado, pelas autoridades constituídas? (Pense nas fronteiras amazônicas e nos territórios das gangues ou dos traficantes de drogas.)
Cite exemplos e compare a sua resposta com as de seus colegas de equipe.
O LUGAR
Para a geografia, o lugar é a porção do espaço onde se desenrolam as relações cotidianas. Leia, no texto a seguir, uma de suas definições.
Definir o lugar?
Ana Fani Alessandri Carlos
Como o homem percebe o mundo? É através de se corpo, de seus sentidos que ele constrói e se apropria do espaço e do mundo. O lugar é a porção do espaço apropriável para a vida apropriada através do corpo - dos sentidos - dos passos e seus moradores, é o bairro, é a praça, é a rua, e nesse sentido poderíamos afirmar que não seria jamais a metrópole ou mesmo a cidade latu sensu a menos que seja a pequena vila ou cidade - vivida/ conhecida/ reconhecida em todos os cantos. Motoristas de ônibus, bilheteiros, são conhecidos - reconhecidos como parte da comunidade, cumprimentados como tal, não simples prestadores de serviço. As casas comerciais são mais do que pontos de troca de mercadorias, são também pontos de encontro. É evidente que é possível encontrar isso na metrópole, no nível do bairro, que é o plano do vivido, mas definitivamente não é o que caracteriza a metrópole.
(...)
Por outro lado a metrópole não é "lugar", ela só pode ser vivida parcialmente, o que nos remeteria à discussão do bairro como o espaço imediato da vida das relações cotidianas mais finas - as relações de vizinhança, o ir às compras, o caminhar, o encontro dos conhecidos, o jogo de bola, as brincadeiras, o percurso reconhecido de uma prática vivida/reconhecida em pequenos atos corriqueiros e aparentemente sem sentido que criam laços profundos de identidade, habitante identidade, habitante - lugar. São os lugares que o homem habita dentro da cidade que dizem respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida, onde se locomove, trabalha, passeia, flana, isto é, pelas formas através das quais o homem se apropria e que vão ganhando o significado dado pelo uso. Trata-se de um espaço palpável - a extensão exterior, o que é exterior a nós, no meio do qual nos deslocamos. Nada também de espaços infinitos. São a rua, a praça, o bairro - espaços do vivido, apropriados através do corpo - espaços públicos, divididos entre zonas de veículos e calçada de pedestres, dizem respeito ao passo e a um ritmo que é humano e que pode fugir ao do tempo da técnica (ou que pode revelá-Ia em sua amplitude). É também o espaço da casa e dos circuitos de compras, dos passeios, etc.
Trechos de CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo; Hucitec, 1996. p. 20-2. (Geografia; teoria e realidade, 38).
Embora os lugares sejam percebidos na esfera do cotidiano, as relações que se estabelecem em seu interior são cada vez mais influenciadas por ocorrências dos mais variados pontos do planeta. Assim, partindo do lugar, podemos ampliar a escala para analisar a organização do espaço da cidade, da região, do estado, do território nacional, e mesmo mundial, selecionando as ações humanas que quisermos estudar.
Observe os exemplos a seguir.
Acima, Petrolina (Pernambuco), em 2001. Mais abaixo, turistas em Paris (França), em 1999.
Às vezes, só observamos a paisagem e o espaço quando viajamos. Nesses momentos também percebemos o quanto estamos ligados ao nosso país, ao nosso município e, principalmente, ao nosso lugar. Leia no texto a seguir, escrito por volta de 1962, como uma inglesa (Ianthe) reagiu diante do que observou e vivenciou em parte de sua viagem à Itália.
Duas inglesas e a Itália
Bárbara Pym
Ianthe meditou sobre a paisagem e as outras pessoas no trem, que eram tão comuns – embora de uma maneira italiana – quanto o seria um grupo semelhante de pessoas num trem inglês. As únicas diferenças eram que o padre parecia meio sujo, e o jovem casal se fitava de um jeito que não se via na Inglaterra, de repente, Ianthe que questionou: será que um pastor da Igreja Anglicana nunca parecia sujo? Será que os jovens casais ingleses nunca se fitavam de modo tão devorador: Afinal de contas, John a beijara na estação, pensou, baixando os olhos ao sentir o olhar de Sophia.
- A gente sabe que está chegando ao Sul – falou esta, com entusiasmo. – O sol está brilhando e as casas parecem diferentes.
É... os telhados planos são meio feios, não acha?
- Mas olhe só para as laranjas - disse Sophia, com reprovação.
- Quer dizer que estamos quase em Nápoles?
- Sim... temos que mudar de trem ali. Aliás, aqui, em Mergelina. O ar não é maravilhoso e diferente? - falou Sophia, enquanto saltavam do trem.
- Tem um cheiro meio estranho - comentou Ianthe.
- É... é a baía... é um tipo de emanação. Às vezes a gente também sente em Londres, em horas inesperadas.
Ianthe ficou contente por Sophia estar com ela e saber o que fazer e onde tomar o trem para Salerno. Foi só quando estavam no ônibus que serpenteava pela estrada costeira na direção de Amalfi que começou a ficar animada de novo. Uma viagem, especialmente no estrangeiro, é sempre cansativa, com o medo ou a emoção adicionais, de não saber exatamente o que se vai encontrar no final. Ianthe pensou com compaixão nas governantas inglesas que iam trabalhar com famílias estranhas. Então o ônibus entrou na estrada para Ravelo e ela esqueceu a sua estranheza na emoção mais imediata do caminho sinuoso e da vista revelada a cada curva.
(...)
Ianthe ficou aliviada quando a levaram para o se e a deixaram sozinha para desfazer as malas. Saiu para a varandinha um tanto nervosa, achando que não parecia muito segura, e olhou para baixo para acres de bosques de limoeiros. As árvores eram todas emaranhadas, deixando os frutos quase escondidos, mas Ianthe pôde sentir que havia centenas, talvez milhares de limões pendendo entre as folhas. Todos aqueles limões, pensou a enfermeira Dew diria que eles quase lhe davam arrepios. Para além dos bosques de limoeiros, pôde enxergar o mar, o que a reconfortou, pois além do mar ficavam a Inglaterra, a sua, a biblioteca e John.
Trechos de PYM, Bárbara. Uma relação imprópria. Rio de Janeiro: Record, 1982. p. 142-3
PARA PENSAR GEOGRAFICAMENTE
1. Destaque duas passagens do texto em que a autora analisa a - a paisagem e o lugar visitado (leia o item seguinte - A paisagem).
2. Ao conhecermos novas paisagens e estabelecermos contato com novos lugares mesmo que por meio de televisão costumamos compará-los com o nosso lugar: qual é mais bonito mais organizada mais agradável etc. Isso já aconteceu com você? Em que situação? Descreva por escrito.
A PAISAGEM
Quando observamos uma paisagem, seja ela de um local cujas condições naturais estão preservadas, ou do centro de uma grande cidade, podemos assumir uma postura meramente contemplativa, considerá-la feia ou bonita, tranqüila ou agitada. A forma como as paisagens se apresentam aos nossos olhos nos permite interpretar heranças do passado, tentar entender o presente e propor ações com vistas a melhorar o futuro.
Ao compararmos paisagens de lugares diferentes - rios e praias limpos ou poluídos, matas preservadas e áreas desmatadas, impactos ambientais provocados por diferentes tipos de indústrias e práticas agrícolas, etc., podemos avaliar e criticar o resultado da ação humana sobre o espaço, pois ela está impressa na paisagem.
Leia, a seguir, trechos de duas obras do geógrafo Milton Santos em que expõe um dos conceitos de paisagem para a geografia. O segundo aborda a distinção entre paisagem e espaço. Perceba que as pessoas, por serem diferentes, possuírem formações diversas, enxergam as coisas que as cercam cada qual à sua maneira.
Paisagem, o que é?
Milton Santos
Tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons etc.
(...)
A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos sentidos. Por isso, o aparelho cognitivo tem importância crucial nessa apreensão, pelo fato de que toda nossa educação, formal ou informal, é feita de forma seletiva, pessoas diferentes apresentam diversas versões do mesmo fato. Por exemplo, coisas que um arquiteto, um artista vêem, outros não podem ver ou o fazem de maneira distinta. Isso é válido, também, para profissionais com diferente formação e para o homem comum.
A percepção é sempre um processo seletivo de apreensão. Se a realidade é apenas uma, cada pessoa a vê de forma diferenciada; dessa forma, a visão pelo homem das coisas materiais é sempre deformada. Nossa tarefa é a de ultrapassar a paisagem como aspecto, para chegar ao seu significado. A percepção não é ainda o conhecimento, que depende de sua interpretação e esta será tanto mais válida quanto mais limitarmos o risco de tomar por verdadeiro o que é só aparência.
(...)
A paisagem não se cria de uma só vez, mas por acréscimos, substituições; a lógica pela qual se fez um objeto no passado era a lógica da produção aquele momento. Uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos. (...).
Trechos de SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. São Paulo: Hucitec, 1988. p 61-6. (Geografia: Teoria e realidade).
Uma necessidade epistemológica: a distinção entre paisagem e espaço
Milton Santos
Paisagem e espaço não são sinônimos. A paisagem é conjunto das formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima.
(... )
Durante a Guerra Fria, os laboratórios do Pentágono chegaram a cogitar da produção de um engenho, a bomba de nêutrons, capaz de aniquilar a vida humana em uma dada área, mas preservando todas as construções. O presidente Kennedy; afinal renunciou a levar a cabo esse projeto.
Senão, o que na véspera seria ainda o espaço, após a temida explosão seria apenas paisagem. Não temos melhor imagem para mostrar a diferença e entre -esses dois conceitos.